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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sabes o que me irrita?





Irritas-me tu quando deixas tudo de pantanas e te vais embora como se nada fosse. E voltas como se nada fosse, e parece que não tens olhos na cara para ver a desarrumação que fazes e como isso me impede de pensar direito. 

Irrita-me ele, aquele tipo que nunca me viu na vida e já acha que pode ter certas “liberdades” comigo. Apanhei muitos assim, há muitos anos quando ainda era um jovem-adulto (outra palavra que me irrita) e eles mais velhos, achavam que só por isso achavam que tinham andado comigo à escola.  

Irrita-me nós quando deixamos de ter conversa. No café, assim a olhar um para o outro, ou para o café e ficamos em silêncio. Como se fossemos os dois estranhos no primeiro dia em que nos conhecemos. Como se todas as conversas de todos os homens de todo o mundo, de repente tivessem acabado e só sobram as borras do café.

Irritam-me vocês quando falam todos ao mesmo tempo e em voz alta, em lugares fechados, e eu deixo de me conseguir ouvir a pensar. Calem-se por um minuto. Que desorganização vocal. Parece que deixo de raciocinar. Nessas alturas só me apetece desaparecer, ir para o meio de uma caverna onde a única coisa que ecoa é o som das minhas ideias a esvoaçar. 

Irritam-me eles, as pessoas que se acham mais que os outros, como se estivessem acima da “lama” que somos todos nós. Como se não fossem eles próprios “lama”, da mesma lama da qual fomos todos criados. Lá porque têm uma educação “assim”, e nós plebeus temos uma educação “assado”. Irrita-me o “nós” e os “eles”. Puta que os pariu a todos!!

Sabes o que me irrita? Ter de me irritar!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Quis Primaveras Em Março




Naqueles tempos do sonho quis Primaveras em Março,

Mas apenas colhi, junto à suspensa margem,
As certezas de um Inverno que me consumia na voragem.

Jurei desistir daquela ideia, que me aniquilava os dias
Não querer saber mais das Primaveras, nem do pasto que o anho come.
Afinal era apenas eu que me embriagava para saciar uma ilusão de fome.

Errei por cima do rio durante anos de inexistência,
À espera que o gelo fino de cristal que nos separou se partisse
Para que, sem nada que me abotoasse àquela vida sem sentido, sucumbisse.

Soltei as amarras que me reduziam àquele velho e desengonçado cais,
Aventurei-me pela bruma desconhecida, meio à deriva até ao setentrião,
Onde a planície se desenrola debaixo de uma chuva velha e o vento morde como um cão.

Assim que me redescobri na verdade dos horizontes longínquos, dei sentido à vida,
De ideias, sonhos e fábulas criei o meu pequeno mundo,
Onde imaginava ser feliz, mas perdurava magoado, sem Primaveras no fundo.

Bebi vãs alegrias para esquecer aqueles tempos do sonho,
Coroados que eram de pesadelos, e só assim por vezes conseguia escapar.
Que a Primavera às vezes é fria e as flores no chão demoram muito a desabrochar.

Tal como a ovelha, distraída segue julgando que consegue comer o mundo.
Mas continua infinitamente de olhos postos no seu próprio chão,
À procura da erva mais verde, entre o azul desse deslumbrante mar e o cinza pálido do betão.

Dos seus objectivos secretos, das dúvidas, anseios e culpas,
Um dia espero descobrir, sentado na suspensa margem, atento à explicação;
Porque me roubou ela Primaveras, porque nunca fomos os dois, amor quente de Verão.

©Alexandre Rodrigues 2012

 

sábado, 13 de outubro de 2012

A bomba relógio chamada Pirâmide Demográfica.





Quase todos nós já ouvimos falar de pirâmides demográficas e o que elas representam. E todos nós já ouvimos falar do envelhecimento populacional no Ocidente. Mesmo em países onde os subsídios são (eram) generosos, a tendência nos países desenvolvidos é a de gerarem poucos filhos. As razões são muitas; os desenvolvimentos de anticoncepcionais desde os anos 60, a educação sexual preventiva, a falta de tempo para cuidar dos filhos (raros são os casais onde um dos cônjuges não trabalha) e as despesas e ambições que todos desejamos para os nossos filhos influenciam de uma maneira ou de outra o modo como construímos as nossas famílias e o número de filhos que geramos. 


Em Portugal e nos restantes países afectados pela recente depressão económica de 2008 e que ainda dura, e estará para durar mais umas décadas (embora os políticos nos escondam esse facto) está-se a construir uma perigosíssima bomba-relógio que daqui por vinte ou trinta anos irá explodir nas nossas mãos. As actuais vagas de emigração, além de desproverem o país de profissionais especializados e jovens trabalhadores, geram no curto prazo um alívio no desemprego e no pagamento dos respectivos subsídios, mas a longo prazo terá consequências muito perigosas para a sociedade. Além de eliminar contribuintes potencialmente importantes em termos de ganhos salariais e logo de impostos recebidos pelo Estado, os trabalhadores que restam no país, regra geral mal pagos, logo geradores de pequenas contribuições ou em muitos casos de total isenção das mesmas, serão (já são) os grandes sacrificados porque a médio e longo prazo verão as suas contribuições para a segurança social aumentarem desproporcionalmente. Acresce o facto de o crescimento de idosos em idade de reforma estar a aumentar, logo um aumento de cuidados de saúde e de cuidados especializados, logo maior despesa e pressão nos serviços de saúde coloca em perigo de colapso total o Estado Social. 


Para termos uma pequena ideia, em Inglaterra em 2012 foram gastos £15 biliões (+/- €18.5 biliões) em cuidados sociais com idosos e uma previsão de £23 biliões para 2027. Ora se a população está a envelhecer quem irá pagar os cuidados de saúde desses idosos, a que acresce o facto de serem cada vez mais longevos na idade. Existem hoje cerca de 3 milhões de idosos acima dos 80 anos em Inglaterra, com um aumento previsto para o dobro em 2030. 


Ora num país como Portugal, onde a colecta de impostos é no mínimo ineficiente, devido ao excessivo peso do Estado na economia e ao já famoso laxismo latino (afinal as leis são para ser violadas, não é?), acresce o facto dos sucessivos governos, devido a contínua gestão danosa dos impostos pagos pelos contribuintes e à sua lamentável visão de curto prazo, não terem planeado nos anos de maior “riqueza” politicas para contrariar esta tendência. Aliás poucos são os países ricos que as tenham, salvo louváveis excepções. Assim, aqueles que são/estão iludidos com perspectivas de melhoras económicas daqui a um, dois ou mesmo no final da década, desenganem-se e não se deixem enganar. Para agudizar ainda mais este problema, agora que não há absolutamente dinheiro nenhum (os bancos também estão vazios, por isso andamos nós a pagar mais impostos) na economia, e é demasiado tarde para contrariar a tendência. E é claro que já estou a ver os mais criticos a perguntar. Então qual é a tua solução? 


Corro o risco de ninguém gostar da minha resposta, mas cá vai. 


Neste momento, como as coisas estão e vão avançando, e tirando exemplos da história, a solução será a de uma guerra a uma escala mais ou menos mundial. Senão vejamos: quais foram as razões dos extremismos políticos na Europa da década de trinta? A primeira, uma guerra mundial que deixou profundas dívidas em quase todos os países beligerantes, incluindo os vencedores e que exigiu dividendos impossíveis aos países perdedores, Alemanha, Áustria, etc. Lembra-vos alguma coisa? Segundo, a crise da bolsa de 1929 que impossibilitou esses países de pagarem as dívidas de guerra, acrescendo o facto de por ignorância e sem prever as consequências os governos imprimirem cada vez mais moeda, desvalorizando-a e aumentando a inflação. Estão a ver os perigos de sair do Euro? Daí até os povos começarem a seguir messias mais ou menos loucos, vai um passo. A Grécia viu pela primeira vez a eleição de deputados de extrema-direita ao parlamento. Na Espanha já se fala da independência catalã. Seguir-se-ão os Bascos. Seguirá um Franco para por tudo “em ordem”?


O pior disto tudo é que mesmo que estes cenários de repetição não venham a ocorrer, não se vislumbra mais nenhuma solução senão a bélica, que infelizmente traz desgraça pessoal a muitos, mas tem a vantagem de fazer crescer as economias, gerando “booms” populacionais e reconstrução. Baralhar e voltar a dar. De preferência cartas novas. 


Mas desviei-me um pouco da linha inicial. Até porque existe em potencial uma terceira via. O que fazer com os velhinhos que serão a maioria da população daqui a vinte ou trinta anos (eu estou incluído neste número)? Sem dinheiro para cuidados de saúde e/ou sociais, com poucos jovens a contribuírem para o Estado Social, terão de ser as comunidades e não organizações de cariz social (regra geral dependentes deste) a organizar-se, e aqui tiro o chapéu ao povo norte-americano, que não tem um Estado Social mas onde as comunidades sabem organizar-se e são voluntariosas, a tratar dos seus. Mesmo que no futuro com poucos meios, e teremos que nos habituar ao facto de não existir dinheiro para tratar doenças mais graves e mortais como o cancro e vermos partir mais cedo os nossos entes queridos. Mas poucos meios serão sempre melhores que nenhuns. Em países de pouca iniciativa privada ou comunitária, como é o caso de Portugal, onde toda a gente espera que a edilidade ou o governo resolva todos os problemas estruturais e sociais e raramente se organiza para resolver os seus problemas comunitários. Assim sendo, ou as pessoas mudam a sua mentalidade, de dentro para fora e não o contrário, como é apanágio dos políticos de todos os quadrantes, e passam à acção preventiva, ou então a miséria que vai alastrando pelos países periféricos passará a ser a norma como era à cinquenta ou sessenta anos atrás.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Circo Monteiro





 Em jeito de amigável resposta ao Circus Maximus

Num mundo tão grande e complexo, onde atores e teatros são diversos e abundantes, não se deverá reduzir estes a desenvolvidos e subdesenvolvidos. Pelo meio destes e acima de tudo para além deles existe uma diversidade tal de teatros, atores e espectadores que seria redutor enquadrar o mundo em dois blocos, muito ao gosto dos impérios dos “nós” e dos “eles” (the good guys and bad guys na retórica de um recente “actor”norte-americano com sobrenome de arbusto.)

Ninguém pois, fica de fora de nenhum espectáculo, somos todos parte de uma gigantesca encenação que se desdobra em milhões de sub-enredos dos quais todos somos protagonistas, acabando por sermos apenas figurantes no grande enredo principal. E mais vezes que nunca, tal como numa encenação, o nosso sub-enredo desenrola-se e é vitima, devido às voltas e reviravoltas, do tal grande enredo principal. Assim sendo, o grande circo da vida tem bons e maus atores, bons e maus cenários, auditórios de boa e má qualidade, e cadeiras de couro ou de pau. Sejam em cidades ricas ou pobres, vaidosas ou remediadas. 


Todos nós já com certeza estivemos em cidades pobres onde existem teatros sumptuosíssimos, construídos pelos arquitectos mais famosos, do mais fino e branco mármore, com os melhores assentos forrados a cabedal dignos de palácios, acústica impar, fazendo a inveja das cidades ricas, mas que sofrem apenas de um defeito; são fruto das vaidades, não de maus actores, mas de atores da mais fina capacidade retórica e representativa, exigindo que para actuarem, terá de ser num teatro digno da sua magnificência barroca, mas no fundo sem sumo, e que se esgotam a si mesmos no final do primeiro acto, deixando depois o teatro às moscas, a audiência afrontada, e a cidade pobre, ainda mais pobre cultural e financeiramente; no fundo, piolhosa. O público, esse cada vez mais nu, contribui com ainda mais dinheiro para pagar o teatro, mesmo que este esteja às moscas; para pagar os grandes atores na esperança que da próxima é que vai ser, e quando aparece um novo artista, mais uma obra de renovação é feita, mesmo que desnecessária, sendo exigido ao povo que aumente as horas trabalho para contribuir para mais obras, em detrimento das horas de lazer que muitos usariam para ir ao teatro. E claro, onde antes o povo ia vestido de luzes, agora vai de trapos, porque já esgotou o dinheiro para pagar o tal teatro que de cada vez que é renovado ocupa mais um quarteirão da cidade e trabalha ainda mais para o pagar. 


Muitos de nós já estiveram também em cidades ricas, onde o teatro é construído sem grandes luxos, mas com dignidade, onde os bancos são de madeira duradoura dos arredores da cidade, retirada de florestas sustentadas, e construída por carpinteiros locais, paga de acordo com as capacidades financeiras do povo dessa mesma cidade, exigência aliás do tal público “bem-informado”e não emprestado de outras urbes distantes. Aos atores, em muitos casos amadores, apenas lhe é exigido que sigam a peça à letra (ou pelo menos que sigam o espírito desta), e que estejam ao mesmo nível do público, revelando as suas fraquezas, mas também as suas reais capacidades. Não precisam de se esgotar no primeiro acto, mas de serem consistentes durante toda a peça, e especialmente durante toda a temporada. Geralmente estes teatros não esgotam a lotação na primeira noite, para logo a seguir ficarem vazios quando o fôlego dos atores se esvai. Porque mais previsíveis e constantes na qualidade, tem uma audiência constante, e onde cabe sempre mais um espectador, mesmo que inesperado. E nessa cidade, todos têm a hipótese de ser actor, figurante ou espectador se assim acharem que contribuem para a riqueza cultural da cidade, e acima de tudo não existem vedetas. 


O único defeito desta cidade é que desconfia dos cidadãos das cidades pobres, achando que estes não se sabem governar, que trabalham mal e que são pouco cultos porque despendem poucas horas em lazer, andam sempre stressados, exaltados, e onde dantes eram bem dispostos e acolhedores, são agora sorumbáticos e desconfiados dos povos da outras cidades, especialmente das bem governadas.


Na primeira cidade, os espectadores querem ser ignorantes da sua condição de figurantes, mesmo depois de terem sido mil vezes enganados.


Na segunda, todos têm a hipótese de serem atores, espectadores, figurantes e até, se não lhes apetecer, ficarem de fora do espectáculo. Mas são estes últimos que perdem porque não contribuem para a riqueza da cidade. 


©Alexandre Rodrigues 2012