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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Gosto de Ler Blogues de Poesia





Gosto de ler blogues de poesia. Mas gosto de um certo blogue em particular. Porque fala para mim como se fosses tu, enfeitiçada, a falar para mim. Ou como eu te imagino se tu me falasses em prosa ou em verso, por palavras tuas ou de outros poetas. Imagino-te enviando-me mensagens encriptadas em versos, ou prosas sobre amores eternos que só eu saberei descodificar no meio da sua mensagem universal. E imagino-te sentada a escrever e a pesquisar as palavas certas com que me baleasses o coração, ou que me fizessem despertar deste transe esquisito em que me encontro. Mas sei que não. Tu não escreves blogues nem poesia, porque não deves ter tempo para isso. E se calhar nem temperamento ou veia poética. Nem estás enfeitiçada. Tu és tu, com a tua vida, as rotinas com que te ocupas para não ocupares a mente comigo. Vá, vai lá à tua vida. Eu fico aqui na minha, a imaginar-te escritora de sentimentos transbordantes, de quimeras, de amores enquanto bebo mais um trago e oiço a música que me faz lembrar de ti, ou melhor, música de sonhos por cumprir, de utopias, quimeras. As minhas quimeras, esta idiossincrasia de tentar esquecer, e com isso não conseguir esquecer nem apagar da memória a memória que tenho de ti. E ando nisto dias seguidos, em transe melancólico quase lúcido, alimentado por este duplo céu cinzento, de frio até aos ossos sem vento nem murmúrio de árvores, esta quietude, espécie de prenúncio de terramoto, sem terramoto mas com cheiro de flores murchas e de morte. De outonais esperanças tão vãs quanto eu, tão vãs como eu a imaginar-te a escrever blogues de poesia. 


©2013 Alexandre Alves-Rodrigues

Sunrise at Arrábida © 2013 Ricardo Silva

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

CEM ANOS


Vanitas - Pieter Claes, 1625


A solidão encontrou-me neste canto da casa a amaldiçoar a vida e a beber rum de Barbados. O rio corre devagar lá fora, espreito-o pela janela no seu inexorável papel de transportador de detritos, folhas mortas, plásticos, embalagens e corridas de preservativos vindos dos canais da cidade, testemunhos de relações fugazes, furtivas e rápidas culminadas nos túneis mal-iluminados das noites de copos e borga. O silêncio só é quebrado pelo ruído de motor do barco do treinador dos remadores que navegam o rio à força de músculos e tendões, pedaços de carne, pedaços de vaidade que a custo tentam adiar a irremediável morte remando contra a corrente natural da vida. Às vezes pergunto-me, para quê todo este esforço da humanidade em competir, em se manter saudável, em querer adiar o inadiável? Daqui por cem anos estaremos todos mortos e esquecidos. Ninguém se lembrará de mim, do que fui, do que fiz. Ninguém se lembrará das folhas que correm pelo rio abaixo, nem dos remadores, nem dos seus corpos saudáveis e em forma. Ninguém se lembrará dos amores furtivos nos túneis dos canais desta cidade, nem das borgas e bebedeiras das Sextas-feiras à noite. As testemunhas estarão todas enterradas, cremadas, desaparecidas. Serão apenas rostos em fotografias antigas, desvanecidas pelo tempo, ou em ficheiros de imagem corrompidos e de impossível leitura. 

Para quê este pretender ser como os outros querem que nós sejamos, com as suas normas estúpidas e sem sentido, com as suas regras e moralidade fingida, esse cinismo vulgar e hipocrisia nojenta que tomou conta deste mundo? Para quê ostracizar quem se atreve a ser diferente? Para quê? Se daqui por cem anos estaremos todos mortos, enquanto os nossos descendentes bebem rum de Barbados e amaldiçoam a vida que levam.


© Alexandre Alves-Rodrigues 2013