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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Já não há pachorra para os Arrogantes




Assisti em casa, no passado fim-de-semana, num dia de chuva forte como só Manchester proporciona, ao filme “Gaiola Dourada”. E raramente me comovo ao ver um filme que foi concebido como uma comédia ou farsa, ou ambas. Mas este ganhou-me no demonstrar dos sentimentos. Talvez porque senti empatia por aquele casal de emigrantes, que, da sua bondade e altruísmo era explorado por quem lhes deveria estar agradecido. Isto vem a propósito desta crónica que me desagradou muito pela deselegância com que foi escrita. 

Eu saí do meu país muito antes da crise. Saí porque quis, à procura da oportunidade que em Portugal sabia não ter. Mas também saí magoado com as pessoas. Pela sua atitude, pequenez e por serem mal-agradecidas, arrogantes no fundo. Não sou da geração de emigrantes retratada pelo casal protagonizado pelos atores Rita Blanco e Joaquim de Almeida. Não saí do país para enriquecer ou para poupar, para na reforma construir esse “Shangri-lá” lusitano que é a “casa portuguesa” de paredes caiadas. Não. Saí à aventura e sem expetativas absolutamente nenhumas. Sem choros nem lágrimas. E porque a vida tem altos e baixos, não me deito a falar mal dos ingleses quando estou em baixo ou a falar mal dos portugueses quando estou na mó de cima. Ambos os povos têm defeitos e virtudes. São as pessoas, cada uma delas com quem interajo, que fazem (ou não) a diferença na minha vida.

Voltando ao filme. Comoveu-me e comove-me o facto das pessoas se deixarem explorar, comove-me o facto do ser humano ser tão traste para com o seu semelhante, ou para aqueles que acha serem inferiores a si ou à sua cultura nativa. Eu por feitio, mais que por natureza não gosto de ser subserviente para ninguém, e muito menos gosto que o sejam para comigo. Essa deveria ser a premissa que qualquer português na diáspora deveria levar consigo. Rosto erguido, enfrentar os desafios de peito aberto, ser exemplar como cidadão no país de acolhimento (e no de origem também) e aprender que quando se emigra, as desilusões são um dado adquirido, mas nunca, nunca ser subserviente de nada nem de ninguém. A subserviência demonstra a falta de confiança que temos em nós próprios, e em Portugal existe disso por demais, basta olhar para aqueles que governam o país. Basta olhar para o cidadão comum que inveja a prosperidade alemã, mas despreza a cultura de trabalho árduo do leste da Europa ou a irreverencia e alegria da América do Sul. 

As vitórias na emigração são raras e espaçadas entre si, mas extremamente saborosas.

Cansam-me as pessoas que vivem para agradar aos outros, especialmente àqueles de quem não gostam, e são esses que quando voltam a Portugal tendem a mostrar o carrão, a pagar jantaradas aos tais que detestam e desdobram-se em converter os salários que ganham em gabarolice avulsa. São por certo os mais desiludidos quando as coisas não correm bem. São os que não desfrutam das (verdadeiras) oportunidades da emigração: conhecer outras culturas, outros modos de pensar e de trabalhar, aprender com os defeitos e com as virtudes dos outros e reconhecer que o nosso país, com todos os defeitos que tem, também tem virtudes. Mas desprezar e chamar de cobardes os que partiram é, para além de injusto, prova uma grande desonestidade intelectual. Cada um terá as suas razões para tentar a vida noutro país, desde que o faça honestamente. Mas também é de uma grande desfaçatez e incongruência chamar piolheira ao país de origem, de onde afinal recebemos a nossa herança cultural e por muito que nos custe, nunca a abandonaremos verdadeiramente. No entanto, eu que não me considero nem Calimero e muito menos cobarde, julgo que muito dificilmente voltarei ao meu país, porque no meu país não existe aquilo que eu ambiciono como carreira ou como projeto de vida, nem existem as oportunidades para o fazer. E também não acredito que Portugal melhore muito (com ou sem pedidos de auxilio externo), apenas e puramente por razões históricas. Mas faço minhas as palavras da letra do fado cantado no final do filme: 
Das mãos de Deus tudo aceito, 
Mas que eu morra em Portugal.



©Alexandre Alves-Rodrigues 2014

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014






Uma metáfora que dura muito tempo leva a dizer disparates como este.
Adília Lopes, O Poeta de Pondichéry.


   Sei que sentes culpa no arrepio da pele e no escuro da noite. No teu discurso transpira, pálida, estranha e remota, a culpa que trazes desde a infância. Não sei porque a trazes contigo. Mas sei que sentes culpa por tudo o que fazes,o que fizeste, pelo que ainda será feito, e ainda não é obra nem pensamento de deuses ou de homens. No entanto deves a vida que tens à culpa, aquela que te persegue na rua, no trabalho, em casa, no bolo que comes no café, no exercício físico que praticas, no amor que fazes, no subir e no descer, no ir e vir das marés. Sentes culpa por querer deixar a culpa que sentes para trás.


   Tal como, se não te tivesse conhecido, escreveria poesia diferente da que escrevo, ou seja não escreveria coisa nenhuma. E não sentiria culpa por isso, nem por te ter conhecido, nem por me ter feito desconhecido de ti, ou por não te ter esquecido tentando esquecer-te todos os dias. Como cavalheiro que sou abraço naturalmente as causas perdidas. Vivi toda a vida em função de uma culpa da qual sou alheio, mas cujo peso me obrigou a partir para um exílio de chuvas, e que, se alguma coisa fez, foi obrigar-me a escrever poemas que não gosto e a tentar fazer fortuna, mais por raiva que por amor.

©2014 Alexandre Alves-Rodrigues