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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Direito de Ofender.

Achas para uma fogueira já quente.

 




Vou começar pelo fim. Em liberdade, em verdadeira liberdade, não aquela que nos quer enfiar pelos olhos dentro a actual clique política europeia, todos temos o direito de dizer aquilo que pensamos sem medo de retaliações. E sim, temos, o direito de ofender. Tenho dito.

Daqui para a frente, quem quiser ler vai perceber porquê.

O papa Francisco manifestou-se recentemente contra ofensas à crença religiosa dos outros e deu como exemplo, triste a meu ver, que ofensas à sua mãe seriam retaliadas com um murro. Não querendo entrar aqui em interpretações duvidosas e bacocas sobre incitamentos à violência, porque sei que não é essa a intenção de Bergoglio, o que mais me choca, ou não pensando bem, é a limitação à liberdade que o papa defende. Até porque entra em conflito direto com a génese da sua própria religião. Jesus ofendeu algumas classes de judeus, Paulo ofendeu judeus, gregos e romanos, mais ainda sendo ele um ex-judeu ortodoxo e cidadão romano por direito. E se assim não fosse, hoje o cristianismo nem sequer existiria. O próprio Maomé ao difundir a sua mensagem de restauração dos ensinos do deus dos cristãos e judeus ofendeu o “estabilibshment” da península arábica, ofendeu judeus e ofendeu cristãos. Portanto em matéria de ofensa, quem quiser que atire a primeira pedra. 

O direito de ofender, na minha muito modesta opinião, até deveria ser constitucionalizado. Sem ele o pensamento humano não evolui. Se não fosse a ofensa ainda estaríamos na idade da pedra. Se Darwin não tivesse ofendido a classe científica da sua época, ainda acreditaríamos que a Terra foi criada em sete dias, ou seja por magia. Se Lutero não tivesse ofendido a igreja católica ainda estaríamos, do ponto de vista do conhecimento, na Idade Média. E por aí afora. Eu já estaria queimado no sentido literal e figurado. E em efigie também.

E sim, também temos o direito de retaliar quando nos ofendem. Mas, nada, mesmo nada, nem ofensas à mãezinha justificam violência. Custa? Muito. Mas, em liberdade, em verdadeira liberdade, se me ofendem eu tenho três opções: ou ignoro, ou entro em diálogo civilizado com quem me ofendeu, logo subindo o nível do mesmo ou, se o diálogo não funciona, usar dos mecanismos legais que a liberdade me dá, para denunciar essa ofensa.

E agora partamos para outro assunto que já há muito me anda a incomodar. E está por detrás deste e doutros problemas que o nosso mundo enfrenta. O medo. E a manipulação religiosa e política do medo. 

O medo tem sido um meio usado desde os primórdios da civilização para controlar as pessoas. E é um meio (ou arma, como quiserem) muito eficaz. E nem precisa de ser atirado diretamente. Existem muitas formas subtis de medo. E quanto mais refinada a politica, a religião, a filosofia, ou o que lhe quiserem chamar, mais refinadas são as ameaças veladas. 

Comecemos com a religião porque talvez seja a forma mais antiga da manifestação exteriorizada do medo. O medo de morrer. O medo da perda de alguém importante na nossa vida. É difícil para o ser humano encaixar a ideia da perda de alguém, e para isso criou mecanismos psicológicos para mitigar essa perda com a invenção do paraíso. E do reencontro. E refinou-os. A política ajudou também ao criar conceitos como o bem (nós, a tribo, o território nativo, a civilização, o paraíso) e o mal (os outros, os da outra tribo, os vizinhos que nos invejam a prosperidade, os bárbaros, o inferno). E como a política e a religião foram criadas em conjunto, nada como uma boa simbiose para mover estes dois conceitos. Se juntarmos a isto a incompreensão do homem primitivo em relação aos fenómenos naturais que o fascinavam tanto como o assustavam, temos uma mistura interessante de medo e controlo desse medo pelas elites governantes. 

Fast-forward para os nossos dias. A religião para alguns segmentos da população ainda é um refúgio para os seus medos de perda. E reparem como a religião controla subtilmente os medos. O medo de morrer e ir para o inferno, nas suas imensas e subtis variantes, de ser proscrito pela sua comunidade, que também é religiosa, o medo de deus lhe virar as costas, de não ser amado, do apocalipse de fogo e saraiva. Estão a ver onde quero chegar? E manipulando o medo, manipula-se a vontade e especialmente a vontade dos pobres de espírito, dos vulneráveis, por exemplo os que foram posto de parte pela Republique, e que acharam que combaterem em nome de uma religião seria uma alternativa melhor à discriminação. E como se prega olho por olho e dente por dente… Aliás a religião, tal como algumas facções politicas, é um magneto para os que são colocados à margem da sociedade. Até chegarem ao poder. E esses são por vezes os mais fáceis de manipular. E por vezes a religião e a política mantêm-se propositadamente nas margens para engrossar as suas fileiras ou para continuar a justificar a sua própria existência, de outro modo injustificável. 

Já na política, os medos são outros, mas parecidos. O medo de perder território, agora chamado de economia, o medo dos imigrantes (os bárbaros) e de perdermos o nosso paraísozinho, o medo de sermos mais pobres e incultos que o vizinho, o medo das outras culturas conspurcarem a nossa que é sagrada e imutável, etc. E jogam-se estes medos - em vez de serem combatidos - com mais medos; restrições de liberdade por causa do que os “outros” nos podem fazer. Limites à liberdade de imprensa para não ofender os “outros” que não pensam ou agem como nós. E a pior de todas as censuras; a auto-censura, com medo (lá está) de retaliações. Usa-se demagogia para distorcer a realidade dos factos. A criminalidade decrescente é uma delas, o benefício económico e cultural da imigração é outro. Basta ligarmos as televisões.
O medo, ou a sua luta, deveria também ser constitucionalizada. Deveria ser proibido causar medo, aterrorizar ou ameaçar as populações, intencional ou veladamente, com medos e superstições infundadas que apenas causam divisões, ódios, terrorismo físico, psicológico e outros tipos de violência. Mas lá está, causar medo é um conceito que eu, em liberdade, em verdadeira liberdade, não posso negar a quem o faz. Mas posso combater. Ofendendo.

©Alexandre Alves-Rodrigues 2014

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

3 Ironias 3






Deveria ter uns oito anos quando atravessei uma rua e quase fui atropelado em frente a uma funerária. Não daria trabalho nenhum se o carro me tivesse acertado em cheio. Arranjava-se logo ali o funeral. Hoje essa rua está fechada ao trânsito. Teria morrido em vão. Não teria morrido em vão se a estrada continuasse aberta ao trânsito e miúdos de oito anos continuassem a ser atropelados. 


Discutir centros comerciais com pessoas que detestam centros comerciais. Acaba-se sempre a comparar tamanhos e números de lojas. Este é maior que o outro. Olha que não, tem mais área mas menos lojas. E pessoas que detestam centros comerciais e gostam de teatro acabam desamigados por discutirem centros comerciais. 


Tenho um amigo que agora se dedica ao croché. Diz que lhe alivia o stress. Chega a casa, joga na consola uma partida de Resident Evil que é um jogo de terror onde se matam zombies e poltergeists para logo a seguir se sentar muito quieto a fazer croché enquanto a namorada escreve ao computador. O meu amigo é professor. Agora percebo porque se dedica a matar zombies para depois se sentar a fazer croché. 


©2015 Alexandre Alves-Rodrigues