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domingo, 24 de janeiro de 2016

Arrábida



Arrábida. Foto: Nuno Bossa


Arrábida que eu amo,
Não serra paraíso de Gama,
Antes tempestade impetuosa
De chuvas que escorrem,
Laranja por tuas encostas.
Por onde nas brechas
O uivo bravio do vento
Traz um arrepio morno
E uma turquesa marinha,
Encimada de espumas,
Cachão não alto, se desfaz
Nos penhascos erodidos da minh’alma.

Minha Arrábida, inferno,
De riscos insuspeitos.
Onde em tua urbe adjacente,
Perto dos velhos baluartes,
D’antanho conheci averna,
De sombra apelidada.
Em tuas vertentes mastiguei saibro
Por mulheres mal-amadas.
Quantos te temem
Tanto quanto eu te adoro?
Fosses feita de lava e enxofre
E te amaria muito mais que ninguém.

Serra minha,
Quanto nos meus olhos
São saudades dos teus?
Repousarão em ti,
Contentes, meus restos.
Carregadas pelas filhas de Hipólita,
Guiadas ligeiras no teu vento
Para o teu ventre.
Recebe minhas cinzas defuntas,
Embebidas de orvalhos mágicos
Nas tuas matas solitárias
Onde, por fim jazerá,
Esta minha infinita tristeza.

©Alexandre Alves-Rodrigues 2016

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Tudo





Arranca-me tudo, vinga-te. De mim que ousei um dia te amar, arranca-me os olhos ambos para que nunca mais meu olhar pouse nas paisagens que teu corpo esconde.

Arranca-me os dedos. Falange por falange para que não mais lavre meu afecto por ti ao me assolarem as melancolias do Inverno trazidas nas chuvas cinzentas.

Corta-me as mãos. Rente aos pulsos para que nunca mais sinta o teu corpo num abraço ou desenhe os contornos nem a beleza que há nos teus olhos.

Arranca-me os dentes. Um por um e a língua também. Para que ninguém me entenda nem me ouça falar de ti ao vento e ao aguaceiro quando mendigar saudades.

Sela-me os ouvidos com cera de abelha como Circe aconselhou Odisseu. Quente para que o som da tua voz não me encante de novo, nem eu caia em tuas armadilhas.

Sela os meus lábios. Com linha grossa usa agulha de pescador. O meu fantasma nunca te sussurre ao ouvido todos os poemas que te escrevi. Para que não enlouqueças como eu enlouqueci.

Rasga por fim meu coração, jamais por ti usado, arranca-o.  Do meu peito ainda quente mais uma vez atira-o para os limites da Terra.

Drena todo o sangue do meu cadáver. Depois das exéquias e pazadas de terra oca, escreve com ele estas derradeiras palavras: ‘Aqui jaz um incompleto’.

Sim, hei-de arder nos infernos. Queimando lentamente, a minha poesia destilar-se-á e evaporar-se-á subindo pelas frestas da terra condensando-se nesse gin que bebes em silêncio nos aniversários da minha morte.

©Alexandre Alves-Rodrigues 2016