©Ricardo Silva. Crossroads |
Quando o tempo de a
contemplar de novo se aproximava, a ansiedade brotava em Acácio Veríssimo como
uma fonte. A mesma ansiedade de há tantos anos, aquela inquietude na barriga,
uma espécie de euforia dissimulada pelo complexo de achar o objeto do seu amor
tão distante e diferente de si, de um outro mundo que não era o seu. E quando
finalmente a presenciava, em toda a sua beleza, mesmo depois daqueles anos
todos sem a comtemplar, ficava sempre sem reação, talvez porque ela também não
mostrava ou demonstrava qualquer emoção na sua presença, senão aquela de
cumprimentar alguém que não via há algum tempo. E ele percebia pela sua
conversa que, de certo modo ela lhe lia o pensamento, e opinava exatamente o
oposto. O que ele não sabia nem conseguia adivinhar, porque sempre fora muito
mau a adivinhar, é se ela o fazia para o testar, ou para lhe dar a entender que
não queria nada dele. Por si até ficaria contente com a sua inimizade, sempre
seria melhor que a indiferença que aparentava, pensava desesperado. Quer dizer,
não seria bem indiferença, mas uma certa distância, medida, calculada, e de
certo modo eficaz, pensava ele, porque o paralisava quando estava próximo
daquela mulher. Sempre assim fora. É claro que sim, sobreviveu sem saber dela
durante muitos anos, iludido que a esqueceria. Tão iludido. Porque não passava
um dia sequer em que Acácio Veríssimo não pensasse nela, e naquilo que, querendo
ela, ainda poderiam ser juntos. É curioso, porque Acácio Veríssimo nunca
pensava naquilo que poderiam ter sido, ou o que poderiam ter feito juntos se a
oportunidade tivesse surgido no passado distante, se estivessem em sintonia, se
ela o tivesse desejado no tempo certo, ou seja ao mesmo tempo que ele a
desejou. Bastava terem chegado a acordo quanto aos sentimentos que nutriam um
pelo outro, algo que nunca aconteceu de facto.
Acácio Veríssimo sobreviveu à
ilusão que criou e da qual não escapou ileso, a da existência real daquela estranha
mulher que apenas e tão só existia na sua imaginação. De todo modo as cicatrizes eram
profundas como profundos eram os mares do seu pensamento e não tinha a certeza
se alguma vez sarariam, porque deliberadamente e diariamente as limpava com o sal
da sua lembrança.
©Alexandre
Alves-Rodrigues 2014
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