Imaginei que nos encontrávamos em Paris. Um suave rendez-vous. Às vezes imagino coisas assim. Do nada. Descem
sobre mim, devagar, como um Sol de Outono numa melancolia atapetada de folhas
secas. São sempre discretos, silenciosos.
Como sonhos estranhos estão cobertos de névoa, pedaços em branco e sem fio
condutor, mas cheios de sorrisos carinhosos.
Ir-te-ia buscar ao aeroporto de Gaulle conduzindo um daqueles fantásticos bocas-de-sapo descapotáveis, cheios de estilo. Os franceses
chamam-lhe deusa. Deusa da estrada. Tal como tu, deslizando suavemente pelos frondosos boulevards da ville lumière. Como vês,
penso nos pormenores, apesar de me julgares distraído. Por falar em pormenores,
por mim trajaria um fato de três peças com uma boa gravata de seda vermelha e
calçaria uns brogues castanhos. Tenho
a certeza que aprovarias. Nos olhos uns Clubmaster
americanos para não destoar com a época e o brilho negro do automóvel. Tudo
isto porque quando te vejo tenho sempre receio que me aches malvestido ou
piroso. Um foleiro sem graça. Indiferente. Complexo de inferioridade? perguntarás.
Talvez. Mas acredita, bem no fundo de mim, por vezes, tenho alma de gentleman: sofisticado e sem vintém. Quanto a ti, não sei o que vestirias,
porque como te disse, nos meus sonhos há pedaços em branco e muita névoa, mas
tenho a certeza que chegarias elegante e cheia de charme. Sem peneiras e muita
ternura, tal como me lembro de ti. Carregar-te-ia as malas e dar-te-ia o meu
braço livre acompanhando-te até à saída. Já te disse que sou um gentleman?
Conduzir-te-ia
até ao Arc de Triomphe, através dos Champs Elysées se assim desejasses. Depois
levar-te-ia a passear pelas margens do Sena. Faríamos um piquenique ali para os
lados da Place du Vert Galant virados
para a Pont des Arts. Nessa tarde iriamos
visitar velhos amigos meus no Père
Lachaise e faríamos à vinda uma paragem por Notre-Dame. Se acreditas no sobrenatural, poderias perfeitamente
rezar por esses velhos amigos. Duvido que eles se importassem com isso. Mesmo
que as pessoas digam que são imortais. Por esta altura pensarias: então e a Tour Eiffel? Nessa tua fantasia levar-me-ias
lá? Quanto a isso minha querida, devo confessar-te que tenho vertigens e não
quero que me vejas em figuras menos… dignas.
À noite iriamos comer num qualquer bistro chique. Poderíamos, por exemplo, ir
a um ali por detrás do Marais, no 4e
arrondissement. Tem um pátio lindíssimo e serve comida vegetariana, coisa
rara em Paris. Ou então ao Pharmacie que
tem um gravad lax de salmão de chorar
por mais. Se preferires carne poderias comer pavé de cerf au sauce poivrade. Por mim, iríamos ao Aux Arts et Sciences Réunis. Só porque
tem um excelente nome e iria bem com o nosso encontro, não concordas? Sabias
que a palavra bistro tem origem
russa? Voilà, um excelente começo de
conversa. Também sei socializar, como vês. Prometo que seria boa companhia e
até, depois de um copo ou dois de vin
rouge, capaz de te fazer rir.
Se gostares de cinema poderíamos ir ver um filme noir ou uma comédia francesa. Afinal, já
deves estar a pensar, tudo isto não passará de uma palhaçada de mau gosto. No
final da noite caminharíamos a pé pelas ruas desertas da cidade fingindo ouvir
um acordeão distante a tocar uma velha chanson.
Ignoraríamos as sirenes dos carros de polícia e os perigos que espreitam a
cada esquina. Dançamos uma valsa junto a Monmatre?
Excelente. Ensinar-te-ia os passos se quisesses. É a única dança que conheço,
perdoa-me. Dir-te-ia je t’aime porque
sou um incorrigível romântico. Dir-me-ias que não, sem mais explicação. Descerias
apressadamente as escadas do Sacrè-Coeur,
chorando e desaparecendo na névoa da noite. Eu iria afogar as mágoas no Cafè Absynthe. O nome já encerra em si
uma estranha melancolia. De volta ao meu hôtel
envolver-me-ia numa briga de bêbedos. Ou talvez não. Ser-me-ia indiferente.
No dia seguinte tomaria o comboio de volta a lado
nenhum na Gare de Lyon. Talvez me
espreitasses, escondida atrás de uma coluna, arrependida. Talvez corresses
atrás do comboio para me dizer algo. Nem sei bem o quê. Sei que nunca seria Je t’aime aussi. Ou talvez nem estivesses
lá de todo.
Uma coisa é certa. Nunca me encontrei contigo.
Muito menos em Paris onde nunca estive.
© 2016 Alexandre Alves-Rodrigues
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