Tom Waits - I Don't Wanna Grow Up.
Faço hoje trinta e nove anos . A mesma idade que o meu pai tinha quando nasci. O meu filho tem quase quatro anos. Ainda me lembro quando o meu pai fez cinquenta. Eu tinha dez anos e meio e achava-o muito velho. Os meus irmãos têm quase cinquenta e eu vejo-os com vinte e poucos anos. Não me cabe na cabeça que tenham quase a mesma idade que o meu pai tinha quando eu tinha dez anos e meio. Quando o meu pai fez cinquenta anos de idade convidou todos os seus irmãos. Pareciam-me todos muito altos. Quando se tem onze anos todos os adultos nos parecem altos, até os mais baixos. Quando se tem quinze já não é bem assim. Pouco tempo depois do aniversário do meu pai, o meu tio Jacinto faleceu. Num hospital em Lisboa. Qualquer coisa nos pulmões. Não sei se cancro ou outra doença qualquer. Fumava muito e trabalhava na fábrica do cimento, respirava muito pó. O pó do cimento é quase tão mortífero como o tabaco. De todos os quatro irmãos do meu pai já só resta um, o mais novo. E o meu pai, claro. Faz-me confusão envelhecer. Conheço pessoas que têm sessenta anos, lembro-me de terem trinta quando as conheci. Não eram assim tão velhas. Hoje são. Quando as conheci teria dez ou onze anos de idade, o meu pai tinha cinquenta. Para o ano faço quarenta. Quando eu fizer cinquenta anos o meu filho terá treze. Com treze anos começa-se a adolescência. Eu começarei a terceira idade. A minha adolescência começou aos treze, numa escola secundária provisória na minha cidade natal. Andava à pancada quase todos os dias. Quase todos os dias perdia. Apaixonei-me por uma miúda do mesmo ano que eu mas de outra turma. Apanhávamos o mesmo autocarro todos os dias. Tinha um cabelo muito bonito, com caracóis de um louro escuro e um nariz aquilino. Chamava-se Sílvia. Depois disso nunca mais a vi. Apaixonei-me por outra miúda. Continuei a perder.
Sempre
gostei de comparar idades. A maior parte dos meus amigos de infância nasceu em
1977. O Nuno, a Ana Raquel, a Ana Rute e a Marisa. Com excepção da minha prima
Cláudia, 1974, eu era o mais velho. Ah, e a Rute, irmã da Ana Raquel, que
nasceu no mesmo ano que eu. A Mara e a Priscila nasceram em 1976. Todos os
outros que eram mais velhos que nós, nasceram antes de 1973. Eram, na minha
visão infantil, muito mais velhos. Pertenciam a outra geração. Todos os que
nasceram de 1978 em diante eram demasiado pequenos para serem meus amigos. A
adolescência quebra estas barreiras todas. Primeiro foram os mais velhos, gente
porreira afinal, que me ensinou muito do que sou; o Jónatas, o Pedro, o João, a
Mena, a Vanda, a Cristina, a minha prima Sara e muitos, muitos outros. Todos nascidos
entre 1970 e 1973. Mais tarde comecei a dar mais importância aos mais novos
quando começaram a crescer. As minhas duas primas Miriam, o meu primo Paulo, o
Israel e a Daniela. Todos nascidos entre 1978 e 1981. Ainda me lembro deles tão
pequenitos a correrem atrás uns dos outros na Igreja, ao final das manhãs de
Domingo. Quando se é pequeno, as idades fazem tanta diferença. Quando se tem trinta
e nove anos não. Já não distingo uma mulher de vinte e cinco de uma de trinta
e cinco. Ou de uma de quarenta e cinco. Poderia namorar com qualquer uma delas
que não me importaria. A minha mulher, nascida em 1979, sim. Mas por outras
razões que não a idade.
Deprime-me
cada novo ano lectivo que começa. Eu cada vez mais velho e os alunos do primeiro
ano cada vez mais novos. Parecem-me sempre os mesmos dos anos
anteriores. Eles ainda borbulhentos e desengonçados, réstias de adolescências
mal passadas, elas ainda a querer parecer mais velhas, mas traídas pelo olhar
púbere a tentarem equilibrar-se nos saltos altos das mães. Depois mudam. A
partir do segundo ano, aos vinte de idade, já começam a parecer mais aprumados,
os mais maduros a largar as roupas tribais, a assiduidade nas festas é trocada
pela das aulas, e já começam a planear empregos, casa e vida conjunta, prestes
a apanharem o autocarro da idade adulta que os levará céleres, a todos, até à
meia-idade, por montes alegres e vales deprimentes. O que eu aprendi da vida? Nada. Apenas que se morre no fim.
©
2014 Alexandre Alves-Rodrigues
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