João Vaz "Piteiras" 1897-1911 |
Podes não acreditar, pode até te parecer ridículo
e pateta o que vou contar, porque sempre me achei ridículo, sempre me achei
pateta, mas sinto saudades dos aloés à beira-mar. E nem sei bem porquê. Os
aloés já lá não estão. Agora crescem palmeiras e pinheiros mansos. Tu também já
lá não estás. Eu também não. Já não cresces à beira desse mar. Eu também não. Resta
apenas o vento que traz a saudade de um tempo e uma ruína esquecida
desmoronando-se na falésia.
Pode até te
parecer piroso, porque sempre tive um pouco de piroso é certo, mas sinto falta
da brisa suave do rio entre dois cafés na esplanada e olhar para os aloés que
dantes subiam até ao forte, vigilante de invasões imaginárias de corsários
comidos do escorbuto, atraídos pelo cheiro dos laranjais em flor nos vales por
detrás das muralhas. Os laranjais em flor nos vales por detrás das muralhas são
agora de tijolo oco e as muralhas são ruas desertas. E nem sei
bem porquê. Os aloés já lá não estão, agora crescem palmeiras e pinheiros
mansos entre dois cafés na esplanada.
Pode até te parecer caricato, afinal nunca fui
senão caricato, mas sinto saudades do vento a atravessar a sombra dos pinheiros
mansos junto às ruinas dos velhos moinhos.
Sinto saudades de olhar para o outro lado, onde uma ermida se levanta e
uma cidade em ruínas se esconde nas dunas da praia. E sinto saudades do cheiro da maré baixa e do
cheiro de ostras frescas. Dos barcos a saírem do cais aos domingos levando gerações
inteiras para dias inteiros de praia do outro lado do rio onde uma ermida se
levanta e uma cidade em ruínas se esconde nas dunas da praia.
Sinto saudades de voltar da banda de lá, ao fim do
dia, quando o vento se levantava e as ondas faziam os barcos bailar nas
suas cristas. Sinto saudades, como um amante sente saudades de um flanco perfumado,
das curvas da estrada da Serra até ao convento. Do cheiro a rosmaninho, orégão
e alfazema. E sinto uma saudade pateta das valiosíssimas turquesas que tingem
as águas e que me lembram os teus olhos. Que de turquesa não têm nada. Ora vez
como sou pateta. Pode até te parecer estupidez, porque debaixo desta aparência
está o mais estúpido dos homens que conheceste. Mas toda esta nostalgia, toda
esta saudade, são saudades de ti, do teu perfume e dos teus olhos, do teu corpo
e da tua voz.
©2016 Alexandre Alves-Rodrigues
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