A história que vos vou contar passou-se há muitos anos atrás, quando as estradas eram de terra batida e os cavalos ainda puxavam carros, tendo sido contada em primeira-mão pelo protagonista.
Alípio Gentil nascera sem
um único fio de cabelo. Não que isso fosse algo de invulgar num bebé
recém-nascido, mas no caso de Alípio o cabelo de facto nunca cresceu e este era
tão calvo como uma bola. Alípio crescera com o estigma de ser calvo durante a
infância, e ainda por cima naqueles tempos de ignorância, era alvo da chacota
dos colegas de escola e dos olhares menos discretos dos transeuntes na rua. A
sua mãe tentara todo o tipo de remédios, mezinhas e curas, xaropes e champôs,
chás e infusões, mas sempre em vão. Os médicos esses sabiam que o problema de Alípio
não tinha cura possível, mas alimentavam as esperanças daquela pobre mãe que
lhes pagava as intermináveis consultas a peso de ouro.
Alípio cresceu, fez-se um
jovem e um dia, daqueles dias em que os homens sentem a natureza chamar mais forte,
decidiu entrar no respeitado estabelecimento de Cordélia Santana, onde o amor é
pago, para aliviar a por vezes indomável natureza masculina. Segundo afiançou Alípio
anos mais tarde, esta fora a primeira vez que esteve com uma mulher. Fora a
conselho de um primo do pai que conhecia as casas de reputação da cidade como
as palmas da sua mão e que já cansado de ver Alípio sem noiva ou casado, lhe
recomendara a casa de Cordélia Santana como uma das melhores da cidade, onde
jovens iniciados, solteirões e homens de boa reputação costumavam visitar nas
horas de maior ócio ou de maior aperto. Alípio seguiu o conselho do primo quando
um dia a urgência de derramar a semente se tornara de tal modo insuportável que
este resolveu tentar o estabelecimento onde, segundo a proprietária, os homens
entravam bestas feras e saíam mais mansos que cordeiros.
Foi nesse mesmo dia que o
milagre se deu; Alípio aplacava a sua aflição
por entre as pernas de Agripina Camacho, especialista em ensinar as artes do
amor aos rapazes iniciados e por iniciar, quando esta reparou que da cabeça
calva e luzidia de Alípio, um tufo de cabelo rompia qual erva daninha em terra
deserta. Agripina gritou, e o brado, de susto, confundiu-se com os gemidos de
amor desta. Alípio, entusiasmado por aquela mulher esfusiante, desaguou nos
braços da pobre Agripina que jazia branca como a cal da parede contra a
cabeceira da cama de madeira trabalhada encimada por vermelhas rendas
voluptuosas. A face de Alípio então emergiu dos seios de Agripina, com o ar
mais desgrenhado do mundo e o sorriso mais pateta que um homem alguma vez deu.
Agripina escondeu-se nos lençóis e com o braço livre apontava para a cabeça de Alípio
totalmente baralhado, mas que instintivamente levou a mão à cabeça para descobrir
incrédulo e cheio de espanto, que do seu crânio até então liso como a casca de
um ovo, saía uma mecha de cabelo.
De um salto, Alípio
pôs-se de pé e correu para o espelho que encimava o lavatório de ferro do
quarto onde se encontrava. Quando se mirou deu um grito de histeria tão grande
que ecoou pelo estabelecimento todo, acordando a pobre Cordélia que dadas as
altas horas da noite adormecera sentada no grande sofá de orelhas da sala onde
recebia os hóspedes e vigiava a actividade do seu reputado estabelecimento. Alípio
por seu turno, com um misto de terror e alegria saltava e gritava completamente
nu pelos corredores da casa como um chimpanzé, espantando a clientela que
assomava às portas julgando tratar-se de alguma rusga policial, daquelas que
destroem prostíbulos e as melhores reputações. Quando finalmente recompôs a
calma e a dignidade, vestiu-se alegremente, recompensou generosamente Agripina,
que ainda não se refizera do choque e só pensava em consultar uma bruxa, vestiu-se
e com a maior alegria do mundo, mais por ter cabelo do que por ter descoberto
os até aí misteriosos e velados prazeres do amor e saiu para a rua dirigindo-se
a casa. Assim que chegou, Alípio abriu o armário onde guardava os digestivos e
licores, desenrolhou o melhor vinho generoso que tinha em casa, encheu um
cálice e de um trago engoliu aquele néctar rubro escuro e ligeiramente viscoso. Rapidamente se
deitou, levando algum tempo até que Morfeu, sob a forma daquele néctar lhe
tolheu os sentidos e o deixou a dormir apesar de toda a excitação.
No dia seguinte, já a
manhã se fazia tarde, acordava Alípio do mais santo dos sonos quando ao
levantar -se da almofada notou que o seu cabelo não se tinha levantado junto
com a cabeça, antes encontrava-se espalmado
contra a alvura da almofada de algodão bordejada de renda. Ainda mais incrédulo
que na noite anterior, Alípio lançou um grito lancinante que teria arrepiado o
mais insensível dos vilões. Agarrou nos
cabelos com ambas as mãos e chorou como uma mãe chora ao perder o mais pequeno
dos filhos. Esteve nestes vagares durante mais de uma hora, perdendo pelo
repasto e pela vida o apetite matinal com
que se levantara.
De repente, num impetuoso
momento de eléctrica epifania, Alípio levanta-se de um salto, veste-se, come
uma refeição de ovos e feijão e sai a assobiar pela calçada. Iria voltar ao
estabelecimento de Cordélia imediatamente para confirmar as suas suspeitas.
Bateu à pesada porta do prédio em plena luz do dia e de peito erguido clamou:
oh da casa! Uma Cordélia arfante assomou à porta e indagou o que quereria
Alípio àquela hora da tarde, quando as meninas ainda se preparavam para a matiné
e ela preparava a casa para receber os seus estimados clientes. Alípio explicou
apenas que queria estar com uma das moças, não importava qual, apenas para se
certificar de uma coisa e que pagaria generosamente, tal como tinha pago a
Agripina na noite anterior. A dona Cordélia que era tão fraca pela cor do
dinheiro como nós meros mortais o somos pela carne, nunca renunciava a uma boa
oportunidade de negócio, por mais estapafúrdia que lhe parecesse. Deixou Alípio
penetrar na escuridão fresca do vestíbulo desaparecendo logo de seguida por um
dos corredores. Alípio ouviu a voz de Cordélia chamar indistinguível por um
nome. Passados momentos esta voltava com Úrsula pela mão dirigindo-a para
Alípio. Os dois seguiram para a alcova desta, Alípio tirou toda a sua roupa e
um pouco mais tarde tirou também todas as suas dúvidas quando se encontrava no leito
de Úrsula. No final, Alípio olhou-se ao espelho e o cabelo lá estava novamente.
Levou a mão ao bolso das calças penduradas na cadeira de ferro e retirou um
maço de notas, recompensou a incrédula Úrsula, vestiu-se alegremente e saiu.
Desse dia em diante sabia
Alípio de antemão que nunca mais precisaria de pagar para estar com uma mulher.
Dedicou-se à arte de bem conversar, da sedução e do prazer espontâneo das
mulheres. Escusado será dizer que a noticia do fenomenal escalpo espalhou-se
como fogo em caruma seca pela cidade.
Alípio era agora admirado quando passava na rua; quantos leques abanavam ao
cruzarem olhares furtivos com o olhar confiante do gentil Alípio, não só porque
o seu cabelo continuava a crescer a olhos vistos todos os dias, mas porque a
continuada cabeleira era sinal de uma abundante e saudável actividade de prazer
carnal. Dizia-se à boca pequena que as mulheres da cidade procuravam Alípio
para estarem com ele, serem seduzidas pelo seu bem falar, pelas suas
historietas e sobretudo para poderem testemunhar em primeira-mão aquele raro milagre
capilar.
©Alexandre Rodrigues 2012
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