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sábado, 29 de dezembro de 2012

Cara ou Coroa?



Já me questionei várias vezes porque vim aqui parar. Nem eu sei bem, mas uma das razões foi para fugir de tudo quanto me entristece no meu país. E se por vezes sinto falta da família e dos amigos, por outras sinto remorsos por não estar com eles nos momentos mais difíceis, como quando a minha centenária avó faleceu. Era a pessoa mais idosa da minha cidade e ao que parece ao funeral apareceram mais curiosos que amigos e familiares. Por aqui chove.


É uma das razões porque não volto tão cedo a Portugal. As pessoas. Podem ser do mais generoso que há e ao mesmo tempo serem uns pacóvios egoístas de primeira. Como aquele gerente de um banco que não atendeu um cliente por este estar supostamente mal vestido. Desde quando é que estar vestido para trabalhar, mesmo que seja um emprego “sujo”, é estar mal vestido?


Aqui somos invisíveis. Passo na rua e ninguém olha. Os britânicos acham que é rude olhar para estranhos. Digam lá isto aos marinhenses que olham fixamente para os estranhos de tal maneira que chega a ser desconfortável. Quando aqui alguém porventura me olha, e por vezes acontece na mesma rua olharem-me mais do que uma vez, pergunto à minha mulher se tenho alguma coisa na testa? A resposta é certeira; estás a ser paranóico. Como é que estou a ser paranóico se num país onde todos são invisíveis uns para os outros e na mesma rua me olham três vezes? 


Manchester. Rochdale Canal facing Oxford Road.
Manchester não é uma cidade bonita, mas gosto dela. Afinal “beauty is in the eye of the beholder” dizem por estes lados. Saio de casa e atravesso o Irwell pela ponte pedonal que desemboca no viaduto de Cornbrook, que o eléctrico percorre mesmo em frente à minha casa, e que é paralelo ao viaduto ferroviário. Existem muitos viadutos ferroviários por aqui. Alguns atravessam a cidade perturbadoramente perto das casas no centro da cidade, numa intimidade estranha de quem não se importa, mas finge que sim. Em Castlefield encontram-se todos os viadutos ferroviários de Manchester, de pilares grossos como embondeiros, e rebites do tamanho de rodas de camião. Relíquias vitorianas ainda em uso atestando a excelente qualidade da engenharia do século XIX. É em Castlefield que dois canais se encontram numa grande doca interior composta de edifícios de tijolo avermelhado, construída nos tempos em que os canais eram as artérias principais de transporte deste país, antes das locomotivas a vapor tomarem conta de tudo. O Bridgewater Canal, por um dos seus braços a partir de Trafford, e o Rochdale Canal que atravessa toda a cidade alimentado pelo rio Medlock. É pelas margens do Rochdale Canal que eu gosto de passear. Algo que excepcionalmente tenho feito, porque não foi construído para carrinhos-de-bebé, e desde que o meu filho nasceu, este tem sido um prazer raramente desfrutado. Gosto do ruído de cascatas das comportas de desnível reverberando pelos túneis iludindo-nos do ruído da rua, dos carros que passam. Os túneis mais não são que viadutos de ferro das estradas que transportam as alegrias e tristezas de todos os que por elas passam e passam por cima de mim: Deansgate, Oxford Road, Portland Street e Picadilly Gardens.O canal leva os sentimentos da cidade para outras paragens. Por outros canais, talvez outras cidades, para o mar. Não sei. 


Os ingleses são pouco originais na nomenclatura das ruas das suas cidades. Em todas elas existe uma Vitória ou Albert Square, Oxford Road ou Street, Princess, King, Portland, Picadilly que em Londres se chama Circus, e que não é mais que uma rotunda, e Gardens em Manchester que não mais é que um terreiro cuja única árvore de relevo é feita de metal com nomes gravados dos civis mortos na cidade durante os bombardeamentos da II Guerra Mundial. Mas é em Picadilly Gardens que Manchester acaba, afinal toda a gente vem aqui parar. Ou será que é onde começa? Eu, por mim lanço uma moeda ao ar. Caras, fico. Coroas, volto.

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