Já me questionei várias
vezes porque vim aqui parar. Nem eu sei bem, mas uma das razões foi para fugir
de tudo quanto me entristece no meu país. E se por vezes sinto falta da família
e dos amigos, por outras sinto remorsos por não estar com eles nos momentos
mais difíceis, como quando a minha centenária avó faleceu. Era a pessoa mais
idosa da minha cidade e ao que parece ao funeral apareceram mais curiosos que
amigos e familiares. Por aqui chove.
É uma das razões porque
não volto tão cedo a Portugal. As pessoas. Podem ser do mais generoso que há e
ao mesmo tempo serem uns pacóvios egoístas de primeira. Como aquele gerente de
um banco que não atendeu um cliente por este estar supostamente mal vestido.
Desde quando é que estar vestido para trabalhar, mesmo que seja um emprego
“sujo”, é estar mal vestido?
Aqui somos invisíveis.
Passo na rua e ninguém olha. Os britânicos acham que é rude olhar para
estranhos. Digam lá isto aos marinhenses que olham fixamente para os estranhos
de tal maneira que chega a ser desconfortável. Quando aqui alguém porventura me
olha, e por vezes acontece na mesma rua olharem-me mais do que uma vez,
pergunto à minha mulher se tenho alguma coisa na testa? A resposta é certeira;
estás a ser paranóico. Como é que estou a ser paranóico se num país onde todos
são invisíveis uns para os outros e na mesma rua me olham três vezes?
Manchester. Rochdale Canal facing Oxford Road. |
Manchester não é uma
cidade bonita, mas gosto dela. Afinal “beauty is in the eye of the beholder” dizem
por estes lados. Saio de casa e atravesso o Irwell pela ponte pedonal que
desemboca no viaduto de Cornbrook, que o eléctrico percorre mesmo em frente à
minha casa, e que é paralelo ao viaduto ferroviário. Existem muitos viadutos
ferroviários por aqui. Alguns atravessam a cidade perturbadoramente perto das casas no
centro da cidade, numa intimidade estranha de quem não se importa, mas finge
que sim. Em Castlefield encontram-se todos os viadutos ferroviários de
Manchester, de pilares grossos como embondeiros, e rebites do tamanho de rodas
de camião. Relíquias vitorianas ainda em uso atestando a excelente qualidade da
engenharia do século XIX. É em Castlefield que dois canais se encontram numa
grande doca interior composta de edifícios de tijolo avermelhado, construída
nos tempos em que os canais eram as artérias principais de transporte deste
país, antes das locomotivas a vapor tomarem conta de tudo. O Bridgewater Canal,
por um dos seus braços a partir de Trafford, e o Rochdale Canal que atravessa
toda a cidade alimentado pelo rio Medlock. É pelas margens do Rochdale Canal que
eu gosto de passear. Algo que excepcionalmente tenho feito, porque não foi
construído para carrinhos-de-bebé, e desde que o meu filho nasceu, este tem
sido um prazer raramente desfrutado. Gosto do ruído de cascatas das comportas
de desnível reverberando pelos túneis iludindo-nos do ruído da rua, dos carros que passam. Os túneis mais não são que viadutos de ferro
das estradas que transportam as alegrias e tristezas de todos os que por elas
passam e passam por cima de mim: Deansgate, Oxford Road, Portland Street e
Picadilly Gardens.O canal leva os sentimentos da cidade para outras paragens. Por outros canais, talvez outras cidades, para o mar. Não sei.
Os ingleses são pouco
originais na nomenclatura das ruas das suas cidades. Em todas elas existe uma
Vitória ou Albert Square, Oxford Road ou Street, Princess, King, Portland,
Picadilly que em Londres se chama Circus, e que não é mais que uma rotunda, e
Gardens em Manchester que não mais é que um terreiro cuja única árvore de
relevo é feita de metal com nomes gravados dos civis mortos na cidade durante
os bombardeamentos da II Guerra Mundial. Mas é em Picadilly Gardens que
Manchester acaba, afinal toda a gente vem aqui parar. Ou será que é onde
começa? Eu, por mim lanço uma moeda ao ar. Caras, fico. Coroas, volto.
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