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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

VERDEN






Six Long Years - © Ricardo Silva


O meu mundo, aquele cuja porta afirmas ser difícil de transpor, é povoado de antigas tempestades de chuva velha, dias arcaicos e cinzentos à beira de escarpas de antes dos tempos, com um mar escuro ao fundo, cheio de saudades de ser mar turquesa. E é água onde eu me banho e mergulho todos os dias como um mantra devoto repetido até perder os sentidos e o sentido das coisas. E tanto pode ser um mar cinzento, como uma fraga que aprisiona a água límpida de uma cascata de montanha. É aí que também me podes encontrar sempre que queiras, rodeado das minhas vetustas quimeras e teimosas idiossincrasias, por visões de um incerto futuro inverosímil, fantasmas de passados distantes e nebulosos, brumas de um tempo em vão esquecido, que me moldou e moldou também a geofísica deste meu mundo perdido no tempo e sem tempo nem espaço mas que é o meu espaço, porque eu preciso de um mundo inteiro para me mover, para viver, para respirar. E este mundo já partiu desses meridianos para estes setentriões atlânticos de chuva e verde muito antes do meu corpo dorido se ter conseguido finalmente erguer do escolhos dos dias de pesadelo, desembaraçar o cabo de muitas voltas que o prendia a esse porto abandonado e seguir as pisadas do meu mundo interior. A minha rugosa e desengraçada casca exterior não transpira nem um mililitro dessa água poderosa e perigosa como um maremoto, da qual é guardiã porque tenho temor de me esvaziar deste mundo que transporto em mim, das catástrofes de lágrimas e ranger de dentes que isso eventualmente causaria. E aquilo que aos mais distraídos como tu possa parecer cinismo e até uma certa ironia corrosiva, não são mais que baluartes de defesa, protegidos por desassossegos de muitos anos de solidão, mesmo quando acompanhado das mais sublimes quietudes. Aquilo a que chamas de audácia é tão só uma válvula de pressão – daí a minha aparente energia inesgotável e o amor pelas grandes paisagens - para que não estoure com violência, e tudo o que restar de mim seja espalhado pelas sete partidas do mundo como exemplo de justiça aos incautos, por aqueles que ainda acreditam que o mundo deve ser formatado de uma única maneira, o mundo onde tu e os outros se conformam e se acotovelam, esse mesmo que eu teimo em rejeitar, porque vive de dados adquiridos e não inquiridos. Para entrar no meu mundo de mares e rios, cascatas e regatos não basta bater à porta. Não. No meu mundo só cabem aqueles que, sem necessariamente me compreenderem, me entendem sem fazer alarde, mas também não se importam com isso, os que são de certo modo como eu, mas que não são cópias de mim, nem me copiam, que habitam outros mundos, seus, originais, e basta que me mostrem um pouco do seu na palma da mão de uma criança, como se mostrassem a mais linda das pérolas preciosas e raras, escondida dentro da casca acidentada de uma ostra. São esses raros loucos que têm a chave secreta do meu mundo. 


© 2013 Alexandre Alves-Rodrigues

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