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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

CEM ANOS


Vanitas - Pieter Claes, 1625


A solidão encontrou-me neste canto da casa a amaldiçoar a vida e a beber rum de Barbados. O rio corre devagar lá fora, espreito-o pela janela no seu inexorável papel de transportador de detritos, folhas mortas, plásticos, embalagens e corridas de preservativos vindos dos canais da cidade, testemunhos de relações fugazes, furtivas e rápidas culminadas nos túneis mal-iluminados das noites de copos e borga. O silêncio só é quebrado pelo ruído de motor do barco do treinador dos remadores que navegam o rio à força de músculos e tendões, pedaços de carne, pedaços de vaidade que a custo tentam adiar a irremediável morte remando contra a corrente natural da vida. Às vezes pergunto-me, para quê todo este esforço da humanidade em competir, em se manter saudável, em querer adiar o inadiável? Daqui por cem anos estaremos todos mortos e esquecidos. Ninguém se lembrará de mim, do que fui, do que fiz. Ninguém se lembrará das folhas que correm pelo rio abaixo, nem dos remadores, nem dos seus corpos saudáveis e em forma. Ninguém se lembrará dos amores furtivos nos túneis dos canais desta cidade, nem das borgas e bebedeiras das Sextas-feiras à noite. As testemunhas estarão todas enterradas, cremadas, desaparecidas. Serão apenas rostos em fotografias antigas, desvanecidas pelo tempo, ou em ficheiros de imagem corrompidos e de impossível leitura. 

Para quê este pretender ser como os outros querem que nós sejamos, com as suas normas estúpidas e sem sentido, com as suas regras e moralidade fingida, esse cinismo vulgar e hipocrisia nojenta que tomou conta deste mundo? Para quê ostracizar quem se atreve a ser diferente? Para quê? Se daqui por cem anos estaremos todos mortos, enquanto os nossos descendentes bebem rum de Barbados e amaldiçoam a vida que levam.


© Alexandre Alves-Rodrigues 2013

1 comentário:

  1. Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,/ Não há nada mais simples/ Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
    (Fernando Pessoa)

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