Vanitas - Pieter Claes, 1625 |
A
solidão encontrou-me neste canto da casa a amaldiçoar a vida e a beber rum de
Barbados. O rio corre devagar lá fora, espreito-o pela janela no seu inexorável
papel de transportador de detritos, folhas mortas, plásticos, embalagens e
corridas de preservativos vindos dos canais da cidade, testemunhos de relações
fugazes, furtivas e rápidas culminadas nos túneis mal-iluminados das noites de
copos e borga. O silêncio só é quebrado pelo ruído de motor do barco do
treinador dos remadores que navegam o rio à força de músculos e tendões,
pedaços de carne, pedaços de vaidade que a custo tentam adiar a irremediável
morte remando contra a corrente natural da vida. Às vezes pergunto-me, para quê
todo este esforço da humanidade em competir, em se manter saudável, em querer
adiar o inadiável? Daqui por cem anos estaremos todos mortos e esquecidos.
Ninguém se lembrará de mim, do que fui, do que fiz. Ninguém se lembrará das
folhas que correm pelo rio abaixo, nem dos remadores, nem dos seus corpos
saudáveis e em forma. Ninguém se lembrará dos amores furtivos nos túneis dos
canais desta cidade, nem das borgas e bebedeiras das Sextas-feiras à noite. As
testemunhas estarão todas enterradas, cremadas, desaparecidas. Serão apenas
rostos em fotografias antigas, desvanecidas pelo tempo, ou em ficheiros de
imagem corrompidos e de impossível leitura.
Para
quê este pretender ser como os outros querem que nós sejamos, com as suas
normas estúpidas e sem sentido, com as suas regras e moralidade fingida, esse
cinismo vulgar e hipocrisia nojenta que tomou conta deste mundo? Para quê
ostracizar quem se atreve a ser diferente? Para quê? Se daqui por cem anos
estaremos todos mortos, enquanto os nossos descendentes bebem rum de Barbados e
amaldiçoam a vida que levam.
©
Alexandre Alves-Rodrigues 2013
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,/ Não há nada mais simples/ Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
ResponderEliminar(Fernando Pessoa)