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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Tudo





Arranca-me tudo, vinga-te. De mim que ousei um dia te amar, arranca-me os olhos ambos para que nunca mais meu olhar pouse nas paisagens que teu corpo esconde.

Arranca-me os dedos. Falange por falange para que não mais lavre meu afecto por ti ao me assolarem as melancolias do Inverno trazidas nas chuvas cinzentas.

Corta-me as mãos. Rente aos pulsos para que nunca mais sinta o teu corpo num abraço ou desenhe os contornos nem a beleza que há nos teus olhos.

Arranca-me os dentes. Um por um e a língua também. Para que ninguém me entenda nem me ouça falar de ti ao vento e ao aguaceiro quando mendigar saudades.

Sela-me os ouvidos com cera de abelha como Circe aconselhou Odisseu. Quente para que o som da tua voz não me encante de novo, nem eu caia em tuas armadilhas.

Sela os meus lábios. Com linha grossa usa agulha de pescador. O meu fantasma nunca te sussurre ao ouvido todos os poemas que te escrevi. Para que não enlouqueças como eu enlouqueci.

Rasga por fim meu coração, jamais por ti usado, arranca-o.  Do meu peito ainda quente mais uma vez atira-o para os limites da Terra.

Drena todo o sangue do meu cadáver. Depois das exéquias e pazadas de terra oca, escreve com ele estas derradeiras palavras: ‘Aqui jaz um incompleto’.

Sim, hei-de arder nos infernos. Queimando lentamente, a minha poesia destilar-se-á e evaporar-se-á subindo pelas frestas da terra condensando-se nesse gin que bebes em silêncio nos aniversários da minha morte.

©Alexandre Alves-Rodrigues 2016

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