Arranca-me tudo, vinga-te. De mim que
ousei um dia te amar, arranca-me os olhos ambos para que nunca mais meu olhar
pouse nas paisagens que teu corpo esconde.
Arranca-me os dedos. Falange por falange para
que não mais lavre meu afecto por ti ao me assolarem as melancolias do Inverno trazidas
nas chuvas cinzentas.
Corta-me as mãos. Rente aos pulsos para
que nunca mais sinta o teu corpo num abraço ou desenhe os contornos nem a
beleza que há nos teus olhos.
Arranca-me os dentes. Um por um e a língua
também. Para que ninguém me entenda nem me ouça falar de ti ao vento e ao
aguaceiro quando mendigar saudades.
Sela-me os ouvidos com cera de abelha como
Circe aconselhou Odisseu. Quente para que o som da tua voz não me encante de
novo, nem eu caia em tuas armadilhas.
Sela os meus lábios. Com linha grossa usa
agulha de pescador. O meu fantasma nunca te sussurre ao ouvido todos os poemas
que te escrevi. Para que não enlouqueças como eu enlouqueci.
Rasga por fim meu coração, jamais por ti
usado, arranca-o. Do meu peito ainda
quente mais uma vez atira-o para os limites da Terra.
Drena todo o sangue do meu cadáver. Depois
das exéquias e pazadas de terra oca, escreve com ele estas derradeiras
palavras: ‘Aqui jaz um incompleto’.
Sim, hei-de arder nos infernos. Queimando
lentamente, a minha poesia destilar-se-á e evaporar-se-á subindo pelas frestas
da terra condensando-se nesse gin que bebes em silêncio nos aniversários da
minha morte.
©Alexandre Alves-Rodrigues 2016
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