Portugal tem, mais ou menos ao longo dos seus quase novecentos
anos como nação, sobrevivido aos grandes cataclismos naturais e humanos que se têm abatido
sobre si. Esta crise é mais um desses acontecimentos que vai deixar marcas
profundas no país, desde sempre ingovernável por parte das suas gentes;
rebeldes, teimosas, desconfiadas, ignorantes e irremediavelmente egocêntricas,
mas mansas e submissas em relação aos poderes que os governam. Mas menos-mal
seria se quem governa esse estranho povo fosse de nobre carácter, honesto,
trabalhador, altruísta e corajoso. Seria como ter uma elite ao estilo visigodo
(estrangeira) a governar os súbditos (espécie de amalgama pós-romano-celta).
Mas os governantes desse raro país são para bem ou para o mal, gentes como o
resto da gente que é governada (ou finge que o é). Quando se junta um grupo
assim onde o egocêntrico é palavra-chave dissimulada, é pois de esperar que as
coisas não corram muito bem, e se vá sobrevivendo, uns fingindo que governam e
os outros fingindo que são governados, e sempre resmungando. Esse sim é o
segredo da sobrevivência desse bizarro país atlântico que provavelmente de um
ponto de vista lógico e racional nunca deveria ter existido.
Portugal faz pois cada vez mais sentido como uma ideia. Uma
ideia bonita de um povo mais ou menos místico (ou surpreendido pelo misticismo,
ou ainda em alguns casos achando-se bafejado de povo escolhido pelo divino como
o que teve origem lá para os lados da Palestina), que vive para lá das mesetas
espanholas, num cantinho mais ou menos remoto da Europa, um povo misterioso e
semi-primitivo que ainda cultiva tradições antiquíssimas entalado entre o
passado e o futuro sem nunca perceber o presente. Infelizmente as ideias e a
boa intenção nos dias que correm não alimentam bocas, não geram riqueza nem
bem-estar e muito menos a paz social. Por isso esse país continua a sangrar
gente capaz para a emigração.
Daí que até se perceber que o país não está só nesta crise
que teima em permanecer, que quando se dividem recursos naturais por cinco em
vez de dois, se fica com porções mais pequenas vai um passo. E que quando se é
um povo (mal) remediado em tempos de vacas gordas, ao chegarem as vacas magras
(que por acaso vieram para ficar, embora uns não o digam e os outros não o
querem ouvir) se vai ficar mesmo muito mal. Ou melhor dizendo, vai-se chegar ao
nível de vida real, não o ilusório dos luxos endividados. Já afirmei (aqui)
que o Ocidente vai empobrecer irremediavelmente, provavelmente para os níveis do
princípio do século XX na pior das hipóteses. Tendo em conta os poucos recursos
naturais de Portugal este por sua vez irá regredir para os níveis de vida dos
tempos do Estado Novo ou pior, níveis esses infelizmente mais realistas (e
nesse tempo ainda havia um Império para nivelar a balança comercial). Isto se a
Europa não voltar a estourar numa (mais uma de muitas) guerra fratricida da
qual, desta vez, não poderemos escapar. Outro factor a considerar é o envelhecimento
irremediável da população nacional e consequente declínio dos números de pagadores
de impostos. Ora se temos menos gente a pagar impostos, os poucos que ficam
terão ou de pagar mais impostos para manter o mesmo nível de serviços sociais
ou estes terão de se drasticamente reduzidos ou mesmo eliminados, aumentando
ainda mais a pobreza, a miséria e a insalubridade.
O Japão (país praticamente sem recursos naturais) quando se
viu confrontado com um problema semelhante em duas alturas da sua história (a
modernização do séc. XIX e a reconstrução do pós-guerra) recorreu da inteligência
das suas gentes, da abnegação, sacrifício e imensa capacidade de trabalho e
muito importante, disciplina para da primeira vez modernizar em menos de trinta
anos o país medieval em que viviam e da segunda, levantar o país da ruína em menos
de trinta anos por se ter entusiasmado demais com essa mesma modernização.
Não irei aqui perder tempo a descrever o que Portugal fez
nos vinte anos da I Républica quando teve uma oportunidade única de se
modernizar transversalmente, nem o que fez nos vinte e cinco anos de Comunidade
Europeia quando a segunda oportunidade de modernização transversal foi dada de
bandeja e a fundo perdido. Foram apenas os políticos que falharam? Lembro mais
uma vez, temendo ser por demais repetitivo que esses políticos eram e são
portugueses como os demais e não de uma espécie de elite visigótica.
Quando o primeiro-ministro de um país, esse mesmo dos
confins da Hispânia, se vê obrigado a aumentar em mais de sessenta por cento a
contribuição para a Segurança Social das gentes rebeldes, teimosas, desconfiadas,
ignorantes e irremediavelmente egocêntricas, mas mansas e submissas em relação
aos poderes que os governam, é porque se apercebeu de duas coisas: a primeira é
que não há dinheiro (absolutamente nenhum) para manter o estado social tal qual
o conhecemos, e assim arrecada o imposto do elo mais fraco dessa cadeia ingovernável.
A segunda é porque tem medo, muito medo de quem tem o poder, essa gente rebelde,
teimosa, desconfiada, ignorante e irremediavelmente egocêntrica, tal como ele, mas
autoritária em relação aos poderes que governam.
Portugal, se não começar a usar de inteligência, altruísmo e
abnegação irá a médio prazo tornar-se num país de velhinhos miseráveis e
maltrapilhos governados por velhinhos maltrapilhos mas menos miseráveis
financeiramente e deixará de existir para ser apenas uma ideia na cabeça dos
seus descendentes espalhados pelo mundo fora.
Daí que ameaçar com datas (e se calhar horas) para
manifestações, continuar a permitir que este regime exista tal como está, continuar
a ser deferente a títulos e a nomes é uma prova de que essas gentes rebeldes,
teimosas, desconfiadas, ignorantes e irremediavelmente egocêntricas, mas mansas
e submissas em relação aos poderes que os governam continuam a dar razão a Sérvio
Sulpício Galba, um tiranete que quando foi chamado a Roma para ser julgado pelo
massacre cobarde dos Lusitanos que juraram fidelidade ao Império Romano, subornou
os juízes e apresentou-se com a família perante o tribunal, como um homem recto
e de família, apenas para ser ilibado do crime que cometeu.
© Alexandre Rodrigues 2012
Os problemas de Portugal são recorrentes, mas, como diz Miguel Real, o país teima em existir, o que é um facto, mesmo depois de longos períodos de perda de independência política. É um mistério com o seu quê de cómico e de inquietante. Que talvez diga muito sobre nós (portugueses) e sobre nós (humanidade).
ResponderEliminarNão percebi foi a «elite visigótica». Quando é que os visigodos, pretendentes a imitadores da administração romana (e mais do que falhados nesse intento) foram uma elite? eram um povo culturalmente rústico, uma espécie de labregos que viviam embasbacados com a organização e o luxo de Roma, e quando quiseram «conduzir o bólide», espetaram-se na primeira curva da história. Não deixaram quase nada na nossa cultura (e dos países europeus em geral), a não ser meia dúzia de palavras, bastantes antroponímicos.
Em relação ao velho Galba, o poderoso império que ele «servia», acabou por soçobrar... e o povo teimoso, ingovernável, ignorante e egocêntrico, ainda cá anda, com um nome diferente e fronteiras muito parecidas. O que nos leva de regresso ao primeiro parágrafo deste comentário: facto inquietante e cómico.
Quando me referi à "elite visigótica" referia-me apenas ao facto de serem eles a elite governante, apenas como analogia para o facto de os políticos que nos governam,também labregos embasbacados com a suposta organização europeia, são portugueses e não estrangeiros como os visigóticos o eram. Mas tu acabaste por descrever essa "elite" ainda melhor que eu.
ResponderEliminarQuanto à persistência desse povo existir, não sei até que ponto será a geomorfologia do país ou o zéfiro inseminador de equinos que faz com que povos tão díspares que por cá passem, desde celtas a mouros, africanos, indianos e eslavos deixem de ter vontade própria e independência para se submeterem a todo o tipo de humilhações por parte das tais "elites visigóticas" que os governam à mais de dois mil anos. O que não deixa de ser inquietante e cómico.
"suas gentes; rebeldes, teimosas, desconfiadas, ignorantes e irremediavelmente egocêntricas, mas mansas e submissas em relação aos poderes que os governam"
ResponderEliminaré uma perspectiva, limitada, generalista, paradoxal, "ignorante" e "egocêntrica".
"os portugueses" são muitas pessoas com actos e opiniões individuais e variadas. não os faça caber todos na sua caixinha.
Cada um tem experiências de vida diferentes, observa e interpreta o mundo à sua volta de maneira diferente. Eu interpreto Portugal assim, no geral. Não optei por particularizar, até porque felizmente conheço muitos portugueses de bem. Especialmente aqueles que dão uma cara à sua opinião e não se escondem na caixinha do anonimato, talvez por submissão, talvez por egocentrismo. Mas obrigado por partilhar a sua opinião que como vê não foi censurada nesta "caixinha"
ResponderEliminarSérvio Sulpício Galba dizia que o povo da Lusitânia era um povo ingovernável e teria tido certamente boas razões para o ter dito.
ResponderEliminarDe facto, passados mais de 2000 anos não mudámos muito:
- A maioria andou a viver muito acima das posses sem ponderar consequências futuras.
- Andámos a condescender com a megalomania e com o consumismo desenfreado como emblema de um status incompatível com a capacidade produtiva de Portugal.
- Habituámo-nos a uma espécie de "prostituição" cedendo a interesses alheios as nossas capacidades de auto-suatentabilidade a troco de dinheiro que aqueles nos davam.
- Pedimos dinheiro emprestado e depois dizemos que não queremos cumprir as regras acordadas antes com os nossos credores.
- Votamos sempre nas mesmas figuras políticas que se revezam no poder e de seguida falamos mal deles e posterirmente voltamos a pô-los no poder.
- Dizemos que vivemos numa democracia e nem conhecemos que ela deriva das palavras gregas "Demos" e "Kratos" ( Povo e Poder ), e estanhamente contradizemo-nos falando que os políticos desta nossa democracia estão contra o povo.
- O funcionalismo público todos sabemos que é muito previlegiado e só faz o que lhe apetece comparativamente ao restante que paga para que os primeiros existam.
- A justiça (será que merece este designativo?) vive dento de bolhas impermeáveis à vontade e ao interesse do povo, como se fossem semi-deuses. Veja-se quanto ganha um magistrado em fim de carreira. quantos snos precisa um juíz do tribunal constitucional para se aposentar, e quanto vai descontar nestes momentos de aflição económica que estamos a atravessar.
- Condescendemos que se pague 1 milhao de euros mensais a um jogador de futebol, e criticamos severamente um esfomeado que roube um pão num supermercado
E: NÃO É VERDADE QUE CONTINUAMOS E IREMOS CONTINUAR A SUSTENTAR ESTAS SITUAÇÕES SEM FAZERMOS NADA POR NÓS PRÓPRIOS NEM DELEGARMOS AS QUEM DE FACTO NOS SAIBA GOVERNAR.
Sérvio Sulpício Galba, profetizou bem!!!