II
Ao chegar ao balcão do hotel, Carlos e Inês foram
recebidos pelo mesmo sujeito que lhes alugou o carro no aeroporto envergando
agora um casaco diferente e um crachá identificando-o com Karistu Salvaloco. Tendo
as formalidades levadas a cabo por este seguido normalmente, Carlos e Inês
dirigiram-se ao quarto. Quando abriram a porta e seguidamente acenderam
a luz, a primeira coisa que notaram foram jornais e mapas da ilha de Malta em língua
alemã espalhados pelo chão e por todas as superfícies planas do mobiliário.
Depois foram as garrafas de cerveja e vodka, umas meio cheias, outras meio
vazias (um dos alemães que ali passara estava deprimido) e por fim a cama
desfeita debaixo da primeira página do Der
Spiegel. Carlos poisou as malas, decidido a que nada lhe estragasse as
férias, muito menos umas malas pesadas e dirigiu-se à recepção do hotel, ao
mesmo sujeito que agora se chamava Duminku Serieux, pois havia trocado de
crachá quando bateram as doze e trinta, e atirou:
- I’m
sorry but the room is not in order.
- Impossible! Exclamou o recepcionista abrindo os olhos numa surpresa
mal ensaiada.
Dirigiram-se os dois ao
quarto onde Inês se tinha sentado em cima de uma das malas, jogando com um
iô-iô de estimação que trouxera clandestinamente de Portugal, pois as autoridades de
segurança aeroportuárias tinham considerado os iô-iôs como arma de arremesso
perigosa e baniram o seu uso dentro dos aviões, especialmente depois de um
grupo de separatistas da Micronésia parlantes da língua chamorro ter ameaçado
fazer cair um avião norte-americano, ao terem manietado a tripulação a golpes
de iô-iô.
O recepcionista verificou
o quarto, pediu muitas desculpas, muitas mais do que as que Carlos e Inês
tinham trocado em Lisboa antes da viagem numa casa de cambio ali para os lados
do Intendente, e viram-se de repente sem desculpas para dar a mais ninguém.
Depois de mais meia hora de formalidades, enquanto o agora Duminiku refazia totalmente a
marcação do casal num computador de 1996, foram de novo encaminhados
para um quarto.
Ao abrirem a porta, e às escuras, um forte cheiro a divisão fechada cheia de humidade
quente percorreu-lhes as narinas atravessando o cérebro e deixando algumas
sinapses completamente queimadas.
- Cheira a mofo. Disse
Inês segurando um vómito.
- É bafio. Retorquiu
Carlos.
- Desculba, bas a bim
cheira-be a bofo, disse Inês enfiando dois dedos pelas narinas dentro.
- Já te disse que é
bafio. Teimou Carlos. Então não se vê logo?
Ao acenderem a luz, o quarto escorria água de
uma das paredes, por uma infiltração no tecto manchada de castanho. Inês
reparou que alguns cogumelos brotavam dos rodapés junto à mini cascata. Carlos
franziu o sobrolho e comentou com Inês:
- Eu até nem sou
esquisito, mas sabes como tenho o sono leve. Uma cascata no quarto, por muito romântico
que pareça faz imenso barulho e como tal não vou conseguir descansar. Já volto.
Dirigiu-se de novo ao
balcão da recepção onde Duminiku se entretinha a jogar Subuteo com o barman, e
exclamou:
- I can’t
have that room. It smells of damp and there is water running from the wall.
- O
meu colega deve ter-se enganado, respondeu o recepcionista depois de marcar um
livre directo ao barman, que entretanto despeitado voltou ao bar.
- Mas foi você que me deu
aquele quarto! Exclamou Carlos que, reflexo imediato olhou instintivamente para o crachá onde agora
se lia Lażżru Abdilla.
- Não, desculpe mas foi o
meu colega do turno que acaba à meia-noite e meia que o atendeu e lhe indicou o
quarto. Está aqui na sua ficha de cliente. Peço-lhe muitas desculpas por este percalço.
- Já não me restam
desculpas nenhumas -retorquiu Carlos exasperado - o seu colega pediu-me todas
as que trouxe de Lisboa.
- Nesse caso vai ser difícil
arranjar-lhe outro quarto. Estamos quase cheios.
- Espere, disse Carlos, não
me diga que ainda vou de ter ir para outro hotel. Olhe que lhe deixo uma má review no website das viagens.
Lażżru, ergueu o sobrolho
direito e franziu o esquerdo pensativo, enquanto teclava ferozmente à procura
de um quarto vago. Tenho aqui um com uma vista excelente. É no terceiro andar.
Aqui estão as chaves. Carlos voltou ao quarto da cascata para ir buscar Inês e as
malas, e dirigiram-se para a nova acomodação.
Carlos exalou com força
antes de rodar a chave do novo quarto, fechou os olhos e abriu a porta. Nenhum
cheiro esquisito. Acendeu a luz, tudo parecia arrumado. De repente Inês, que
espreitara por cima do ombro de Carlos, gritou:
- As cortinas!
Carlos que olhara para as
paredes em primeiro lugar, não tinha reparado que a janela de vidro à sua
frente, se encontrava despojada de cortinados. Não só isso mas estes
encontravam-se empacotados em cima do sofá. Inês, de voz trémula impava:
- Não vamos ter privacidade
nenhuma.
Ao que Carlos retorquiu:
- Pior ainda é que de
manhã vamos ter luz bem cedinho e depois de uma noite como esta eu quero é
dormir. Já volto.
Desceu as escadas, chegou
ao lobby e deparou com Lażżru a ser violentamente bombardeado por B-52’s em
chamas, atirados pelo barman despeitado depois deste ter perdido a partida de
Subuteo.
- This
is the third time I come here tonight, I do not have more apologies for you to
accept and again, the room is not in order. E não me diga que mudou de nome outra vez! Gritou Carlos.
- Não mudei nada de nome,
ora essa! Indignou-se o recepcionista, desviando-se de mais um shot explosivo.
Como pode ver pelo meu crachá, chamo-me Lażżru Abdilla, ao seu dispor. Diga por
favor.
Carlos sumarizou:
- O quarto não tem as
cortinas no lugar.
Lażżru olhou para um
lado, olhou para o outro e, em voz baixa e nasalada comentou:
- Voi um cãsal de checos
que bediu bara as rebover, e dizendo isto piscou o olho a Carlos.
- Pois então volte a colocá-las
no lugar - respondeu-lhe este em voz alta e não nasalada. Eu não tenho taras
nem fetiches desses!
- Lamento, disse Lażżru peremptório.
A senhora da limpeza só pega amanhã às oito e antes disso é impossível.
- Então quero outro quarto e desta vez com
cortinas. Rematou Carlos.
Mais uma vez, Lażżru
lançou-se em novo ataque furioso às teclas do computadorossáurio, que soltava guinchos
pré-históricos e disse:
- É o último quarto! A
ver se desta vez acertamos!
Carlos pensou: eu é que
te acertava e era com este dálmata de loiça que aqui está encostado ao balcão,
mas contido retorquiu:
- Eu ainda não falhei
nada. Aliás tem sido cada tiro, cada melro, como se diz no meu país.
Lażżru olhou confuso para
Carlos e voltou a arremessar os dedos de encontro às teclas do venerando e
geronte calculador electrónico.
Carlos levou a nova chave
pelas escadas e corredores do hotel murmurando baixinho um mantra:
- Por favor, que seja
desta. Por favor que seja desta. Por favor que seja desta.
Inês que tinha voltado a
jogar com o iô-iô, ao ouvir Carlos aproximar-se indagou:
- Com quem é que vens a
falar?
- Com ninguém. Respondeu
Carlos cabisbaixo. Só estou cansado disto tudo, mais nada.
Finalmente, o último
quarto disponível aparentava estar em condições, a luz funcionava, o chuveiro
era na casa de banho e tinha águas quentes e frias e as cortinas estavam no
sítio. O casal nem esperou para desfazer as malas. Deitaram-se na cama e
exaustos dormiram o sono dos silvas, tudo porque o sono dos justos já estava
ocupado por um casal de turistas holandeses desejosos de conhecer um pouco mais
dos hábitos de repouso portugueses.
©2013 Alexandre Rodrigues
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