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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Férias em Malta - 4ª Parte


 
Carlos e Inês entraram no centro de saúde. Este encontrava-se completamente vazio com excepção de um grupo de quatro funcionários que entretinham o tédio jogando voleibol num campo improvisado na ampla sala de espera, cuja rede, que separava as duas equipas era um lençol dobrado e preso a dois suportes de soro fisiológico ligados a dois pacientes que serviam de árbitros da partida, muito maus diga-se, mais por desconhecerem as regras do jogo que pela sua limitada mobilidade e falta de vista de um deles que tinha deixado os óculos no ambulatório. Depois das formalidades oficiais hospitalares, e de algumas perguntas secas sobre o ferimento, tais como "porque é que caiu", ou "então não viu onde punha os pés", Carlos esperou cinco minutos e trinta e nove segundos até o chamarem para o consultório onde o médico, um homem baixo e atarracado mas de tronco rígido, mãos espessas, envergando uma camisa grossa aos quadrados por baixo da bata e botas de borracha nos pés, já o esperava. Carlos entregou o papel que lhe haviam dado na recepção. Os dedos do médico, demasiado grossos, não conseguiam apanhar o papel e por várias vezes o deixou cair no chão, amaldiçoando-o, usando uma linguagem rude própria de um lobo-do-mar. O médico acendeu um cigarro e colocou-o no canto da boca, fechando o olho por onde o fumo passava, enquanto esticava os braços para conseguir ler a minúscula letra da enfermeira recepcionista e disse, em português, com uma voz grossa de aguardente e tabaco:

- Pode-me segurrar o papel p'a ê conseguirre lerre, amigue? É c'us mês olhes já nã serrem o qui érrem dantes! disse ele em bom sotaque setubalense deixando Carlos boquiaberto.

Depois de várias tentativas para ler o documento, algumas tossidelas bronquicas, ameaços de escarros, e alguns murmúrios enquanto lia, finalmente disse:

-Mostre lá o pézinhe. Dexe lá ê verr'isse sacha'vorr.

Agarrou no pé já descalço de Carlos, deixou cair alguma cinza do cigarro no corte, tossiu e afirmou peremptório:

- Vou terr d’o operrar amigue. O corrte ‘tá infectade e abrriu. Temes d’desinfectarr isse e coserre, disse com os dentes muito cerrados num esgar de quem está com dores. E dizendo isto puxou o fumo do cigarro fazendo um ruído como quem sorve sopa. - Ma nã se prreocupe ahn, ê cá antes de serr médique fui pescadorr e cosi munta rede de pesca fininha . Foi a melhorr escola de medicina que tive! Ahua! Isse e abrrirr a barriga dos pêxes p'a lhes tirrarr as trripas! E interjectando expirou o fumo para a cara de Carlos.

Carlos sentiu um suor frio a percorrer-lhe as costas. À sua frente estava um profissional de medicina que mal conseguia agarrar um papel, imagine-se uma agulha! E que raio de tamanho de agulha conseguiria ele agarrar!? Já para não falar na absurda falta de vista.

- O doutor é português? Indagou.

- Nã, amigue! Maltês dos quatrre costades, e naturral da ilha de Goze, com munt'orrgulhe!! Aprrendi perrtuguês com um ex-clega pescadorre!

- De Setúbal? Perguntou Carlos levado pela lógica do sotaque sadino.

- Nã! Qual quê!! Holandês!! Nã se nota do sotaque? Disse apontando para a boca. Ê cá fale perrtuguês com setaque holandês! Esse mê ex-clega é que pescou munt’em Porrtugal. Duma trraineirra da Póvoa do Varrzim, no norrte do país.

Carlos decidiu não contradizer o médico, até porque na situação em que se encontrava não era ajuizado enervá-lo, tendo em conta que este o iria operar e aparentava ser daquelas pessoas cujo feitio ferve em pouca água.

- Prrontes! Volte lá parra a sala de esperra c’a gente já o chama, tá beim?

Carlos coxeou até à sala de espera e contou a Inês o sucedido. Esta retorquiu:

- Só espero que não tenhas de ficar muitos dias de cama, senão temos as férias estragadas.

- Penso que não. Respondeu Carlos por descargo de consciência, quando no fundo sentia-se preocupado com o desfechar deste episódio. No entanto, os seus receios quanto à estadia forçada na cama do hotel eram completamente infundadas. Depois da operação que durou cinco horas, quatro das quais para o médico colocar a linha na agulha, Carlos e Inês regressaram ao hotel para jantar e descansar. 


©2013 Alexandre Rodrigues

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