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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Férias Em Malta. 3ª Parte




III

Carlos e Inês, num dos intervalos de praia, resolveram explorar mais um pouco a capital maltesa. Decidiram  então visitar uma das muitas igrejas da ilha. Dirigiram-se à igreja de São Paulo Náufrago. Na escadaria de pedra calcária, uma velhinha com aspecto de mendiga, vestida de farrapos pretos, cabeça coberta, abeirava-se dos turistas, e de voz rouca apregoava imperativamente:

- Leve uma agenda! Leve uma agenda!

Carlos e Inês não se deixaram intimidar pela insistência quase zangada da velha senhora e acelerando o passo ligeiramente, passaram a arcada entrando de imediato no templo.

Assim que deram os primeiros passos, olharam em volta e para os tectos do sagrado edifício, quando, por detrás de uma coluna do lado esquerdo saiu uma outra velhinha, desta vez de aspecto mais digno mas também coberta da cabeça aos pés de preto, ralhando:

- Mas o que é isto!? Ahn!? Que pouca vergonha vem a ser esta, hein!?

Carlos e Inês estacaram, franziram os respectivos sobrolhos em ar de estranheza, olharam um para o outro, congelaram a expressão por alguns segundos, cinco para ser mais exacto, e repararam que a beata se dirigia a eles, mais precisamente a Inês:

- Cubra-se, sua desavergonhada! Cuuuuubra-se! Dizia, prolongando os “uu” em vibrato aflautado. Está na casa de Deus Nosso Senhor, da Virgem Maria sua esposa e mãe do Cristo crucificado no madeiro e de São Paulo Náufrago Apóstolo de Jesus! Disse de uma vez só sem pausas para respirar, ficando muito vermelha.

Não tem vergonha!? Cuuuuubra-se imediatamente!

Inês, por causa do imenso calor mediterrânico que se fazia sentir, trazia um vestido de alças de algodão até aos pés, deixando no entanto os ombros descobertos, só teve tempo de perguntar:

- Mas como? Onde?

- Então não viu a minha irmã lá fora? Questionava indignada a devota. Devia ter-lhe pedido um lenço para se cobrir!

- Lá fora só estava uma velhinha a mendigar. Argumentava Carlos.

- Qual mendigar, qual carapuça! Exclamava de dedo indicador espetado. Aquela é a minha irmã. Vá lá ter com ela para lhe arranjar um lenço.

Carlos, receoso que acontecesse alguma coisa a Inês acompanhou-a até à escadaria exterior onde se encontrava a irmã da beata, que parecia esperá-los.

- Então - disse em voz roufenha – vieram buscar a agendazinha?

- Não. Disseram ambos em coro.

- Vim buscar um lenço para poder entrar na igreja. Disse Inês.

- Se comprar a agenda, leva o lenço de oferta. Resmungou a geronte como se tal fosse óbvio. E continuou:

- Mas tem de mo devolver à saída, avisou de dedo indicador em riste, fazendo agora sim, lembrar a sua irmã que estava de sentinela dentro da  igreja.
Carlos, respirou fundo, meteu a mão no bolso das calças e pagou a agenda com uma nota, quando esta ripostou do nada:

- Dinheiro dentro das calças é pior que mulher na igreja com vestido de alças. Rematou.

E tendo dito isto cuspiu no chão com ar de desprezo. Murmurou qualquer coisa, que Inês julgou ser um padre nosso, e entregou uma agenda da grossura de um livro, cuja capa tinha uma imagem antiga de um papa falecido, encimada por uma senhora de Fátima de cabeça levemente pendente para um dos lados e vestida de branco.

- Então e o lenço? Disse Carlos já meio irritado com aquela conversa do dinheiro nas calças.

- Abra o livro. Rosnou a velha.

Inês então abriu o livro que era completamente oco, contendo apenas um lenço preto dobrado.

- Vá, agora cubra-se e não pequem muito! Seus hereges, filhos do demo! Aposto que nem são casados. Murmurou quando o casal já se encontravam no cimo das escadas.

Os dois voltaram a entrar na igreja. Assim que meteram o pé dentro do edifício, a segunda velhinha, de um salto, sai novamente de trás da coluna, barrando o caminho e mirando Inês de alto a baixo em silêncio, para se certificar que esta estava, agora sim, vestida condignamente. Satisfeita, abriu as pernas, mais do que seria suposto ser possível a uma senhora daquela idade e, com um passo lateral similar aos dos praticantes de Tai-chi, sempre a mirar o casal, voltou a esconder-se atrás da coluna já à espreita dos próximos turistas, desta vez um casal de lésbicas inglesas católicas, que vinham vestidas a preceito, de preto, crucifixo ao pescoço, véu e sem maquilhagem aparente,benzendo-se com o sinal da cruz ao entrarem no monumento. A beata olhou para Carlos e Inês com um sorriso sarcástico e apontou com a cabeça para as lésbicas, como que a dizer; vêm, assim é que deveriam ter feito, seus sectários.

Inês começou a sentir-se incomodada por uma das inglesas, que não parava de olhar para ela, disse ao namorado:

- Se calhar é melhor irmos andando. Já estou farta desta igreja e do raio das beatas.

Carlos acedeu. Quando se iam embora, um pé sai de trás de uma outra coluna mal iluminada, fazendo  tropeçar o rapaz que, ao tentar equilibrar-se, espeta um prego no pé, que estava solto de uma tábua no chão. Carlos sentiu a carne a rasgar dentro do sapato e gritou.

- Puta que pariu! Merda!

Felizmente, proferiu estas indecorosas palavras em português, ao que a beata apesar de se ter apercebido que algo se passava, não entendeu o baixíssimo vernáculo em que foram proferidas. No entanto, ao abordar Carlos que estava sentado no chão a verificar o ferimento, uma outra beata, anã, que entretanto saíra de trás da coluna mal iluminada, juntou-se à primeira e proferiu:

- É castiiiigo! Foi Deus Nosso Senhor que o castigou por ter entrado na igreja sem lenço!

- Mas quem entrou na igreja sem lenço foi ela! Disse Carlos cheio de dores apontando para Inês.

- Paga o justo pelo pecador é o castigo vindo do Senhor! Rimou cheia de perfídia, a harpia.

- É melhor irmos ao hospital ou centro de saúde tratarmos desse golpe que me parece ser fundo.

Inês então, ajudou Carlos a levantar-se e, amparando-o, saíram da igreja e dirigiram-se onde pudessem tratar da ferida que obrigava agora Carlos a coxear.

©2013 Alexandre Rodrigues

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