Há
vários meses que não durmo. Há vários meses que não durmo uma noite seguida.
Sou constantemente acordado, não por pesadelos (antes fosse), mas por uma força
invisível que me levanta da cama. Quando a esta torno, estou acordado, bem
acordado. E dou voltas na cama.
As
Sextas-feiras são o pior dia da semana. Estou demasiado cansado, exausto,
irritado, de não conseguir dormir. Respondo torto quando não rosno. Perco as
estribeiras, eu que tenho a paciência de um santo.
O
Cansaço é tal que não consigo pensar, não consigo refletir, meditar, aproveitar
os dias. Aproveitar. Estou tão cansado que já nem sei o significado da palavra
aproveitar. É um verbo. São apenas e só letras, dispostas umas atrás das
outras; a-p-r-o-v-e-i-t-a-r, sem qualquer significado. O significado foi-lhe
retirado, esvaziado, como se faz aos cadáveres para embalsamação. Retiram-lhes as entranhas para não
apodrecerem, não deitar cheiro. Eu sou um cadáver, sem entranhas, sem
aproveitamento; esvaziado, esventrado. E permaneço aberto, a carcaça recheada
de salitre, a secar ao estio do deserto. Seco. A mirrar. Parece mesmo que está
vivo, oiço. E que bom aspeto tem. Não envelheceu um dia sequer.
E
os dias a passarem por mim, iguais, seguidos, os fins-de-semana iguais às
semanas, as semanas iguais aos fins-de-semana. Os dias a aproveitarem-se de
mim, seco, sem entranhas, a minha carcaça cheia de salitre para não apodrecer,
para não cheirar mal. E os dias a rirem-se de mim: parece mesmo que está vivo.
E que bom aspeto tem. Não envelheceu um dia sequer. A aproveitarem-se de mim. Da minha
imobilidade. Ainda não vejo insetos a trepar paredes, mas há vários meses que
não durmo uma noite seguida.
©Alexandre
Rodrigues 2013
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