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quarta-feira, 20 de março de 2013

Carpe




Há vários meses que não durmo. Há vários meses que não durmo uma noite seguida. Sou constantemente acordado, não por pesadelos (antes fosse), mas por uma força invisível que me levanta da cama. Quando a esta torno, estou acordado, bem acordado. E dou voltas na cama.
As Sextas-feiras são o pior dia da semana. Estou demasiado cansado, exausto, irritado, de não conseguir dormir. Respondo torto quando não rosno. Perco as estribeiras, eu que tenho a paciência de um santo.
O Cansaço é tal que não consigo pensar, não consigo refletir, meditar, aproveitar os dias. Aproveitar. Estou tão cansado que já nem sei o significado da palavra aproveitar. É um verbo. São apenas e só letras, dispostas umas atrás das outras; a-p-r-o-v-e-i-t-a-r, sem qualquer significado. O significado foi-lhe retirado, esvaziado, como se faz aos cadáveres para embalsamação.  Retiram-lhes as entranhas para não apodrecerem, não deitar cheiro. Eu sou um cadáver, sem entranhas, sem aproveitamento; esvaziado, esventrado. E permaneço aberto, a carcaça recheada de salitre, a secar ao estio do deserto. Seco. A mirrar. Parece mesmo que está vivo, oiço. E que bom aspeto tem. Não envelheceu um dia sequer. 
E os dias a passarem por mim, iguais, seguidos, os fins-de-semana iguais às semanas, as semanas iguais aos fins-de-semana. Os dias a aproveitarem-se de mim, seco, sem entranhas, a minha carcaça cheia de salitre para não apodrecer, para não cheirar mal. E os dias a rirem-se de mim: parece mesmo que está vivo. E que bom aspeto tem. Não envelheceu um dia sequer.  A aproveitarem-se de mim. Da minha imobilidade. Ainda não vejo insetos a trepar paredes, mas há vários meses que não durmo uma noite seguida. 


©Alexandre Rodrigues 2013  

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