Portugal é um país que se
tem caracterizado desde que restaurou a sua independência, ou talvez mesmo
antes de a desbaratar, por ter perdido excelentes oportunidades de ser um país
exemplar no que trata à distribuição de riqueza e bem-estar das suas
populações. E porquê? Basicamente porque desde a morte do Infante D. Henrique
(um príncipe meio inglês), que financiou do seu bolso as descobertas, o Estado
nas suas mais diversas formas ao longo da história tem açambarcado a riqueza
produzida pelos portugueses. O vício do monopolismo estatal português já vem de
há muito tempo e está enraizado na cultura político-administrativa portuguesa;
D. Manuel II foi o primeiro rei português a auto-intitular-se Senhor do
Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia, portanto o único detentor do investimento,
exploração e lucros das descobertas. Um monopolista portanto.
Durante
a União Ibérica de 1580, Portugal viu perder uma parte das suas possessões
ultramarinas devido às constantes guerras que o Império Espanhol financiava e
que acabaram por ditar a bancarrota do Império ainda sob o comando de Carlos I
e posterior perda das Províncias Unidas da Flandres para a casa de Orange no
final da guerra dos oitenta anos. É já em 1602 que a Holanda, agora livre do
jugo católico espanhol, cria por concessão régia a VOC "Vereenigde
Oost-Indische Compagnie" ou mais conhecida em Portugal por Companhia
das Índias Orientais, uma das primeiras empresas capitalistas surgidas da
revolta protestante, onde foram criadas as primeiras acções de igual
valor, através da divisão do seu capital pelos investidores interessados (na sua
maioria pequenos comerciantes e agricultores estabelecidos) e transaccionáveis
pelos seus membros. O Estado holandês recolhia impostos dos lucros dessa
ventura. A VOC tornou-se um Estado dentro do Império holandês e a sua primeira
acção foi expulsar os portugueses (fragilizados pelo domino espanhol) de Amboino
nas ilhas Molucas com o objectivo de controlar o comércio das especiarias do
Indico.
Ora
quando Portugal finalmente tira partido do desmembramento do Império espanhol,
em 1640, este tem de optar por deixar cair a Catalunha, também em rebelião através
da Guerra dos Segadores ou Portugal. Opta por Portugal mas não sem luta. Este
vê-se de novo independente mas tendo de lutar por manter ou mesmo reaver
possessões do seu império, por exemplo o nordeste brasileiro, entretanto tomado
pelos Holandeses da WIC (Companhia das Índias Ocidentais). É nesta altura que
Portugal, poderia ter copiado o modelo holandês de exploração, manutenção e
lucro das suas possessões ultramarinas, como mais tarde o fizeram os britânicos
na refundação do seu império que se tornou o maior em extensão e riqueza até à
data. Mas não, dois reis depois, já com as relações externas com Espanha e
Holanda pacificadas, no reinado de D. Pedro II, este pede às cortes
financiamento para restaurar os fortes e proteger os navios portugueses vindos
do Brasil e da Índia. Mas os três estados, de “vistas curtas” recusaram ajudar
a coroa quando poderiam aqui ter tirado partido da situação e terem tido um
papel importantíssimo na privatização e consequente exploração do Império
português, contribuindo no futuro para a sua melhor gestão, geração de riqueza
e oportunidades para todos. Seguiu-se D. João V e foi o que foi… sem
comentários.
Um
terramoto, uma invasão estrangeira e uma guerra civil depois...
Se
a este já longo exemplo juntarmos a oportunidade perdida no século XIX aquando
da industrialização (já tardia) do país, e do investimento providenciado pelos
ascendentes das famosas famílias agora poderosas de todos nós conhecidas e
interligadas entre si essencialmente por casamentos, mais a sua provinciana
aversão ao risco (afinal o principal ingrediente do capitalismo) e as generosas
concessões monopolistas do eternamente fragilizado Estado português, ficaram
então criadas as condições para dar à luz o “capitalismo à portuguesa”; sem
riscos, de tendência monopolista, dependente mas ao mesmo tempo cada vez mais
credor do Estado. E reparem que nem a Republica que conseguiu a rara proeza de
por a igreja católica de portuguesa de joelhos, nem o Estado Novo foram capazes
de aproveitar a oportunidade de inverter a situação das coisas, ainda a tempo,
e criar a oportunidade de democratizar o investimento privado. Salazar pelo
contrário, concedeu às já de certo modo formadas famílias poderosas mais concessões
monopolistas para explorar o comércio com as colónias e ao controlar burocraticamente
a verdadeira industria capitalista que arrisca (as pequenas e médias empresas
no fundo), manteve-as tecnologicamente estéreis em sectores marginais e relativamente
pouco lucrativos. Por alguma razão a industria nativa automóvel nunca vingou em
Portugal nesta época, antes esbarrou com a máquina burocrática do Estado Novo, não
obstante variadas e louváveis tentativas (Alba, Lusito, IPA, etc.) de dinamizar
o sector. O Secretário de Estado da Industria de 1956, provavelmente já de “luvas”
calçadas preferiu restringir as importações e convidar empresas estrangeiras a
montar veículos no país, antes de a própria industria automóvel nativa ter
hipóteses de florescer e amadurecer.
Um
golpe de Estado e algumas nacionalizações depois…
Para
que o verdadeiro “capitalismo português” que conhecemos hoje na sua mais aguda
forma se desenvolvesse, bastaram nas últimas duas décadas de democracia, algumas
reprivatizações, bem-vindas se o processo tivesse sido transparente (banca,
seguros e transportes terrestres), alguns políticos moles, para não lhes chamar
corruptos, e muita apatia para não lhe chamar ignorância, por parte de uma
população avessa à educação e à informação mas muito amiga do “chico-espertismo”
e de “se safar a si mesma” para que, mais uma vez a oportunidade de se criar um
país gerador da sua própria riqueza, provedor do bem-estar das suas populações
e incentivador da poupança se tivesse perdido. Se a isto juntarmos a
irresponsabilidade e desfaçatez com que se geriram as quantidades astronómicas
de dinheiro que os contribuintes de outros países da Europa comunitária enviaram
para Portugal através dos inumeráveis subsídios a fundo perdido para infra-estruturas
(antes deficitárias, agora enojantes) que foram copiosamente embolsados por
empresas de construção sem escrúpulos primeiro e pelas parcerias
público-privadas (PPPs) depois.
E
chegamos aos dias de hoje. A relutância com que o governo actual tem em renegociar
as rendas absurdas criadas por gestão danosa dos governos anteriores, tem muito
a ver com o poder monstruoso que foi dado a estas empresas no passado século, e
como estas recrutam ex-governantes para negociar as ditas rendas. Daí que o
governo tente “espremer” ao máximo os contribuintes e as pequenas e médias
empresas (porque dispersas e desunidas) com velhos e novos impostos para, ou
não ter de renegociar ou renegociar com pouco impacto (paras as grandes
empresas) as rendas que dariam para cobrir a avultada divida que o país
contraiu. Os portugueses não podem aceitar o argumento de que estas empresas
criam riqueza nacional. Em mais de cem anos de industrialização e “capitalismo
à portuguesa” já se provou que não gera riqueza, antes tem atirado o país para
a miséria, endividando-o. E se nada for feito para contrariar esta situação o
país estará deficitário por mais trinta anos. E estas grandes empresas nem são
empresas inovadoras que procurem novas metodologias, novos métodos de produção,
antes escudam-se em modelos ultrapassados como o taylorismo que infelizmente ainda
é copiado por algumas PMEs, usando processos de gestão antiquados ou desfasados
da realidade actual. Usam uma capa tecnológica (geralmente importada) para
parecerem modernas, mas o seu interior é velho e encardido.
E
desenganem-se aqueles que acham que esta crise é uma oportunidade para refundar
o Estado. Seria, se não tivéssemos tantos antecedentes a mostrar o contrário.
Portugal é como aqueles criminosos inveterados que quando saem da cadeia
prometem que desta se vão redimir, mas assim que apanham nova oportunidade tornam
à actividade criminosa. Enquanto não for eliminada esta cultura de interdependência
Estado-privados, então o Estado português continuará a alimentar uma clique e
continuará a ser ele próprio um monstro sugador da riqueza nacional. Comprova-se
assim a classificação que o pesquisador holandês Geert Hofstede faz de Portugal
e já discutido aqui. Os portugueses são avessos ao risco, por defeito de
muitas gerações e não será apenas em cinco anos ou numa década que se mudam
hábitos muito enraizados como o de querer depender do Estado para tudo, que
resolva todos os problemas de todas as pessoas, empresários incluídos. Isto
gera uma cultura de irresponsabilidade individual que não é higiénica nem
aconselhável a quem queira investir seriamente no país.
Como
qualquer separação esta não será menos dolorosa. É preciso pois inteligência,
perspicácia e muita paciência (não será com uma revolução ou o poder na rua que
se resolve este cancro) para dar estimulo e oportunidade a quem tem mérito e
queira investir e realmente arriscar numa economia verdadeiramente livre no
país, para criar riqueza e bem-estar, tenha noções básicas de responsabilidade
social e ética empresarial. O Estado por seu turno apenas terá de dar em troca
desburocratização (inimiga da corrupção), transparência e igualdade de
oportunidades. O país agradece.
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