Caspar David Friedrich: Der Wanderer über dem Nebelmeer, 1818 |
I
Foi por ti que ontem, indefinidamente abandonei a
Primavera
Vagabundeio solitário por esse mundo fora, o
coração uma cratera;
Tão profunda como os misteriosos mares de lágrimas
feitos
Tão ampla e frágil como o rol de todos os meus
defeitos.
Foi por ti que caí na armadilha, em silêncio por
mim próprio urdida,
Deixei que me deixasses entrar na tua torre de
marfim, tua ajuda concedida.
Impaciente de amores, esgotado da incerteza, da desconfortável
escuridão,
Buscando furtivamente entender-te, concluir em ti
o fim da minha estranha solidão.
Quando aquela carta cansada poisou no teu regaço
com alguma petulância,
Sabia de antemão que tu, aspiracional, irias
responder com amigável relutância.
Só por verbos conjugados me soube expressar, onde
esperavas uma atitude,
Mas eu, imaturo dos segredos das mulheres, só reagi
com lastimável ineptitude,
II
Foi por ti que então desapareci, renunciei ao
misterioso e supremo prazer,
Aos jardins de delícias de
outros primores renunciei renitente comprazer.
No teu ninho não havia lugar
para este pássaro ferido enfim descansar,
Nem espaço nos teus lábios carmim onde a minha
boca sempre quis poisar.
Foi por ti, que me retirava, impetuoso para os
frios e nevados montes,
Onde chorei nas margens desses antigos rios as
suas pálidas e gélidas fontes.
Descrente dos homens pois me tornava, meditando
ambígua contra-manobra,
Longe do teu mundo para mim sempre oculto e secreto
pequena sombra.
Foi por ti que bebi em goles de bruto, o xadrez do
avultado desgosto,
Imaginando que assim, iludido, desaguava no mar a
memória do teu rosto.
Tanto que fiquei maldisposto, e de tal arte até me
tornei pálido, afásico,
Em minha Arrábida te amaldiçoei até me tornar num eloquente
amnésico.
III
Foi por ti que tantas vezes nos temporais destes
nortes me reencontrei,
Insubmisso desse meridiano calor, do sol que te
acalenta, ao qual renunciei.
E do mesmo modo, asseveras que alguém aquece
dentro da pele o teu coração;
Para mim nada mais é que ferida aberta, arde sem possível
suturação.
Foi por ti, quando a Portugal me perguntaste se
alguma vez tornaria,
Para debaixo do mesmo azul desse céu dos teus mundanos
e afluentes prazeres,
Que de coração duvidoso do que ouvia pensei; só
por ti de vez voltaria.
Mas foi para fora que de estoma te respondi; não, só
em vagar de lazeres.
IV
Foi por ti, quando falas de outras culpas e
remorsos, que abotoei o casaco,
E peguei nas lembranças, do que poderíamos ter
sido, como a um saco.
Bebi de limões doces querendo espremer laranjas
azedas por vulgar desacato,
Virei costas ao teu pequeno mundo que me parece
por demais obscuro, caricato.
Foi por ti que ainda sonho com o dia, em que dos
anos perdidos a vida retomámos.
E se achas que agora já é tarde; nos frutos deste
afastamento desabrochámos,
Como num realista folhetim onde um sonho ainda
está por cumprir, o outro rematado.
Quero que saibas que do mundo saltaria fronteiras
só para te ter, por um minuto afortunado.
É por ti quando nada mais restar destes dias de vazia
desilusão,
Quando a minha alma se fartar dos céus de Munique,
Manchester, Turim,
E o mundo para nós, vivência estranha nos
desprezar, será em jeito de conclusão
Que eu te abraçarei, terno, já perto de conhecer o
meu derradeiro fim.
©Alexandre Rodrigues 2012
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