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René Magritte. La Faux Miroir. 1928 |
Há muitos meses que
não sonhava. Pensei que tinha perdido completamente a capacidade de sonhar enquanto
durmo. Quero dizer, não me lembro de sonhar. Os especialistas dizem que
sonhamos todas as noites, mas não nos lembramos. Parece que faz parte do bom
funcionamento cerebral. Deito-me a dormir, acordo no dia seguinte e é como se
uma esponja preta tivesse sido passada durante o tempo que repousei.
Esta noite, no
entanto, lembro-me de ter sonhado. Não foi um sonho muito claro, mas envolvia
eu ter voltado a um dos meus antigos empregos em Portugal. Já não é a primeira
vez que acontece. O último sonho que me lembro também foi do mesmo género, mas
com outro emprego. Sei sim que acordei com uma terrível dor no peito, como se
tivesse dormido com um peso, daqueles que os agricultores usam para medir
arrobas e quintais de batatas, em cima do coração e ao acordar o peito
estivesse muito dorido. A primeira coisa que pensei foi: se é para fazer doer
mais vale não sonhares.
Sonhar tem sido um
problema doloroso, talvez por isso não me lembro dos sonhos noturnos. O mesmo se
tem passado com os sonhos diurnos. Desses tenho a certeza que não tenho. A
desilusão da vida e da humanidade e as dores que isso me causa são de tal
envergadura que nem me posso dar ao luxo de sonhar. Chego mesmo a achar que
sonhar é patético, infantil. Como se fosse acossado de um grande pudor por
achar que sonhar é imoral. Penso para comigo, que descaramento tão
grande atreveres-te a sonhar, que descaramento embaraçoso alguma vez teres tido
sequer o desplante de ter sonhado.
Isto anda nestes
termos há já alguns anos, de tal modo que o quotidiano se torna difícil, porque
a obra assim não nasce, nem deus quer, tudo porque o homem não sonha. E se
calhar ainda bem, porque deus tem o mau hábito de querer coisas muito
estranhas, que o homem depois sonha e quando a obra nasce já não é nada daquilo
que deus queria e muito menos o que o homem sonhou.
Assim sendo e pela
primeira vez na minha vida, estou em desacordo com o estimadíssimo Fernando
Pessoa, que tanto quanto sei também não sonhava.
© 2013 Alexandre
Alves-Rodrigues