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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Férias em Malta - 1ª Parte



Relato ficcionado pseudo-surrealista apresentado em episódios semanais e baseado em factos reais de umas férias em Malta, que me foram relatados em primeira mão por um familiar que ainda não se refez das mesmas. 


 
Carlos Chávenas saiu do avião às 23.00 horas com a sua namorada Inês Serpinha no ultimo voo do dia e, depois das costumeiras formalidades alfandegárias, dirigiram-se ao balcão de rent-a-car do aeroporto de Malta, onde Carlos confirmou o aluguer de uma viatura previamente ordenada on-line. O funcionário, Marjannu Zerafa, entregou-lhes a check-list para assinar onde um desenho esquemático da viatura mostrava esta como imaculada. Carlos, já experiente no aluguer de viaturas no seu país e no estrangeiro, dirigiu-se ao parque do rent-a-car, deu primeiro uma costumeira volta ao referido veiculo para se certificar que tudo estava em ordem quando, notou várias amolgadelas em volta de todo o carro. Diligente, voltou ao edifício aeroportuário, e acercando-se do balcão, que o funcionário se preparava para fechar, proferiu em inglês:
-  I’m sorry but the car is not in order. 
Marjannu deu um salto na cadeira como se uma agulha imaginária lhe tivesse picado o traseiro, ao mesmo tempo que erguia o sobrolho em teatral amadora expressão de espanto. Risonho e de check-list na mão acompanhou Carlos na identificação de cinquenta e seis amassadelas, quatro riscos e um pára-brisas estalado no canto inferior direito de quem está de fora, esquerdo para quem está dentro da viatura. De notar, e este é um aparte nosso, que nenhum painel dos vários que compunham a infeliz viatura de quatro rodas estava isento de qualquer imperfeição. Marjannu assinalou todos os defeitos, despediu-se cordial e afavelmente do casal, desejando uma boa estadia, e voltou ao aeroporto para fechar o balcão.
Carlos e Inês entraram na viatura de volante à direita, resquícios da ocupação britânica das ilhas, e quando Carlos engrenou a marcha-atrás para tirar a viatura do estacionamento, esta começou a andar para a frente. Carlos por pouco não batia no veículo estacionado defronte ao seu. Como bom engenheiro informático que era, saiu do carro e voltou a entrar. Voltou a ligar a ignição e mais uma vez engrenou a marcha-atrás, desembraiou devagar e o carro moveu-se para frente. De repente, teve uma epifania. Egrenou a primeira, desembraiou e o carro começou a mover-se para a rectaguarda. 
- OK, vou lá voltar para me substituírem o carro. Espera aqui Inês. 
Passados sete minutos e vinte segundos precisamente, Carlos voltou para o carro, exclamando: 
- O balcão já está fechado! 
Inês respondeu:
-  Deixa.  Vamos com a marcha-atrás engatada até ao hotel. 
 - Ok, respondeu Carlos, só espero que a caixa de velocidades aguente.
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahnnnnnnnn n n n n n n n, aaaaaaaaaaaaaaaaahnnnnn n n n n n, miava a caixa de velocidades cujo racio de marcha atrás era de 3,38:1, impedindo o veiculo de se mover a mais de 10 km/h  em altíssima rotação fazendo uma zoeira de enlouquecer o mais sereno dos monges budistas dos conventos tibetanos de Lhasa. 
Carlos encostou a viatura e comentou: 
 - E se eu for de marcha-atrás até ao hotel? Assim talvez dê para engrenar as mudanças normais mas às arrecuas. 
- Experimenta, retorquiu Inês. 
O caminho até ao hotel foi todo percorrido em marcha-atrás, inicialmente a olhar pelo retrovisor, mas este revelou-se pequeno demais àquela hora da noite, tendo ainda  Carlos atropelado um gato maltês que estava fora do ângulo de visão. O gato que tinha acabado de dar um concerto de piano ainda teve tempo de miar: 
- Mais il est foux cette merdeux, ahn!?
 
Depois com a cabeça de fora da janela, Carlos conseguiu engrenar quatro das cinco mudanças, com dificuldade tudo porque ia contorcido no assento. Os dois mais o carro chegaram ao hotel passava pouco da meia-noite. 



©2013 Alexandre Rodrigues
 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os Amantes



René Magritte, Les Amants. 1928. Óleo sobre tela.




Dizia-se que eram amantes…
E que se encontravam em partes incertas
Que se amavam longamente ao pôr-do-sol,
Por entre os montes e praias desertas.

Dizia-se que brotavam flores
Dos leitos de erva e areia onde desaguavam,
E que borboletas saíam das suas bocas,
Quando longe do mundo se beijavam.

Na verdade, apenas se juntavam,
Discutindo da vida os muitos dilemas,
Para que, da beleza que da poesia transparece,
Partilhassem dos homens os poemas.

Ele, de percorrer mundos trazia os seus,
Ela por percorrer dos livros as estantes
Citava Neruda, Baudelaire, Blake e Rimbaud
E por momentos sentiam-se dois diletantes.

Dizia-se que se mataram quando a poesia acabou
Ou quando, quem os acusou de serem amantes,
Injustamente, os difamou.


©2013 Alexandre Rodrigues

O Fugitivo


Quantas vezes me deitei a pensar nesses olhos negros,
Eternidades arrastei pensando no que me disseste.
E quantas mais carreguei por ter fugido dos escombros
Por saber tão bem que no meu coração sempre coubeste.

Quanto tempo meditei nos dias que passámos juntos,
De tal modo que me esqueci de me esquecer de ti?
Quando apenas me enganava rosnando amores defuntos,
Nas horas que levei a recordar de me recordar de ti…

E por demais ao descrever-te ainda sinto o teu cheiro,
Tal como a sensação de te ter feito sofrer, não me sai da mente.
Crava-me um punhal no coração, agora és de outro cavalheiro,
Sei que já perdoaste erros imperdoáveis, provavelmente …

Perdoa o meu. O de por ti um dia me ter apaixonado.
Por ter desvanecido quando resoluta me recusaste.
Quis ser o teu príncipe, o teu escravo ou mesmo criado,
Não foi por mal. Será que de tal jeito cogitaste?

Ficou tanto por dizer, gostaria de ouvir as tuas razões,
Saber mais do teu porquê, se deixavas a porta aberta.
Gostaria que me entendesses, quero saber do teu depois.

Ausentei-me à maior prova de amor por uma mulher:
A de não lutar por ela.

A dúvidas eram tão grandes que me aferrolhei nelas,
Acabei espalhado pelo mundo em desiludida solidão.
Como as cinzas do finado, no altar ardendo em velas,
Negando a quem veio a chave secreta do meu coração.

©2012 Alexandre Rodrigues