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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Era assim que devia ter sido.





Então era assim que devia ter sido; tu respondias que ias pensar na minha proposta, quando eu disse que gostava de ti e queria namorar contigo. Assim eu ficaria com alguma esperança, mesmo que pequenina, de te ter só para mim. Tu mais tarde irias ter comigo, ou melhor, combinávamos uma saída ao jardim, à serra, sei lá… esquece o jardim e a serra, iríamos jantar juntos, eu insistiria em pagar, tu recusavas e dirias que não, que pagávamos a meias. Eu porque sou um cavalheiro, tu sabes disso, sempre fui um cavalheiro,

(se faz favor minha senhora depois de si)

insistiria em pagar a conta do jantar que serviria para por os pontos nos is, ou seja, tu perguntar-me-ias se as minhas intenções eram sérias, eu explicaria tudo, há quanto tempo gostava de ti, as noites de Verão passadas em branco, a janela do quarto a deixar entrar a brisa e as estrelas, o sussurro dos grilos e a luz do quarto apagada. Dir-te-ia quase de lágrimas nos olhos, que estava a ficar louco, talvez não o dissesse assim, afinal teria de manter alguma compostura e dignidade, mas pedir-te-ia, ou melhor, imploraria por uma oportunidade. Tu mais uma vez, dir-me-ias que terias de pensar melhor, que não tinhas a certeza,


(afinal ele nem é muito bonito mas tem uns olhos carinhosos e é bom rapaz, e há o Gonçalo que já avançou a sua intenção) 


despedias-te de mim com um beijo na cara dentro do carro à porta do prédio onde vivias, e as tuas irmãs a assomar da janela do apartamento dando risadinhas cúmplices, tu e eu coradíssimos. Saías do carro de repente e gritarias; não sejam parvas. Viravas-te para mim e dirias; tchau. E eu arrancaria a toda a velocidade, a sentir o vento fresco na cara, depois de baixar o vidro completamente, e o coração leve, com um sorriso de anuncio de televisão, as mãos a tremer, 

(tremem-me sempre as mãos quando estou felicíssimo)


e comprar-te-ia um presente numa perfumaria e trazer-te-ia flores da próxima vez que te convidasse para sair e tu dissesses que sim, vamos sair, vamos conversar, 


(e a pensares nos cabelos louros do Gonçalo que tinha uma mota comprada pelos pais não um carro velho emprestado)

e eu, desfazendo-me em delicadezas e atenções para te comprar o coração,

(aqui estão umas flores, ah e um perfume espero que gostes)

e tu olhando-me cheia de pena, porque me alimentavas a ilusão, ias dizendo que sim, sem dizer que sim. E eu claro, ia estourando o ordenado mínimo em presentes e jantares e idas ao cinema, e à feira de Verão. Para depois numa dessas noites quentes que só quem vive a sul do Tejo conhece bem, talvez pelos santos populares, em que saíssemos juntos, tu encontrasses o Gonçalo, o bronzeado a realçar-lhe os cabelos louros e ondulados,

(não esses cabelos lisos e sem graça que te dão um ar tão comum tão… lastimável)

a pedires-me imensa desculpa, mas tinhas combinado sair com ele, que ele te tinha convidado para ver o fogo-de-artificio, ou qualquer outra coisa que eu nem conseguiria ouvir, porque entretanto tu tinhas agarrado a sua mão e desaparecido no meio da multidão que já se acotovelava, ou porque o mundo desabaria em cima de mim, tal como desabou no dia em que me disseste que não estavas interessada, quando eu disse que gostava de ti e queria namorar contigo.




©Alexandre Rodrigues 2013



sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Que Há de Comum Entre o Brasil e a Turquia.




Estamos todos mais ou menos familiarizados com os recentes acontecimentos de insurreição popular na Turquia e agora no Brasil. O que há então em comum entre estas manifestações e o que está realmente a mudar a nível mundial?

Na Turquia o problema surgiu quando populares se revoltaram por causa de um plano para converter um dos poucos jardins de Istambul, num centro comercial onde estavam incluídos a “reconstrução” de um quartel-general dos tempos do império otomano e uma mesquita. Todo o negócio, como sempre, muito opaco. O jardim, usado pela população das redondezas é também ele histórico, e sem este ponto de encontro, o tal centro comercial iria ou irá contribuir para o desenraizamento da comunidade local que ali se reúne para as mais diversas atividades. Claro que tudo isto nos cheira a mais um negócio onde o Estado através dos políticos da ocasião “oferece” a construção de mais um mamarracho a uma empresa de construção com boas ligações ao poder, e onde o lucro a curto prazo é o fator mais importante e o bem-estar da população uma quimera. Onde é que nós já vimos isto? Mas com toda a certeza não será só por isto que a população turca urbana, formada e informada através das redes sociais, laica e quiçá viajada se terá revoltado. E não é só por causa do aumento do preço dos transportes públicos urbanos que os brasileiros se estão a revoltar. Não. E não foi por causa do tipo de regime ditatorial que os tunisinos e os egípcios se revoltaram, ou os líbios se amotinaram e os sírios se envolveram numa guerra civil do mais desumano que se possa imaginar. 

No caso do Brasil, um país que ainda está em fase de desenvolvimento, o erro português repete-se; na cegueira e vaidade politica para se fazer sobressair no xadrez mundial (europeu, no caso português), o Brasil está em velocidade de cruzeiro para se tornar num paraíso do betão, com a sua prole de estádios, eventos megalómanos, centros culturais e até escolas hospitais e museus, esquecendo-se que para se ter boa educação, saúde e cultura, aquilo que é preciso para fazer funcionar essas mesmas infraestruturas é a qualidade; qualidade no ensino, qualidade na saúde, qualidade na cultura, investindo com seriedade nestes recursos para que das escolas saiam bons médicos, bons professores, engenheiros, mecânicos, eletricistas, etc. Sem eles, o Brasil e a Turquia, tal como Portugal serão sempre um países em desenvolvimento, sempre coxos, cheios de ar quente, despovoados e sem dinheiro para manter as megalomanias que as elites politicas e económicas nos impingem diariamente pela goela abaixo, quer gostemos ou não do xarope.   

O problema tem origem nessa espécie de animal que Brendan Perry bem descreve na canção “The Bogus Man”; sicofântico, de sangue frio, “reptiliano”, carreirista e aproveitador. Essa espécie repelente que faz da intriga, da malevolência e da conspiração o seu modus-vivendi. E este animal, por mais incrível que pareça, não tem ideologia, nem deus, nem ideal. Apenas vive para o presente, alimenta-se da sua própria vaidade, e se pensarmos bem, nos tempos que correm, não tem grande utilidade. É pois de prever que a sua extinção estará eminente. 

Com a falência previsível dos “ismos” à esquerda e à direita, os partidos ou “ideologias” que ainda teimam em prevalecer um pouco por todo o mundo, esvaziaram-se, e foram esvaziadas por esses mesmos animais acima descritos, do seu conteúdo e não são mais do que uma casca aparente, uma mera formalidade, roçando nalguns casos o folclore, noutros a palhaçada, sendo alvo de chacota, desprezo e até de genuína revolta na presente estrutura social do mundo. A função que este animal tinha no equilíbrio da balança da sociedade, entre a “populaça” e as “elites” sendo ele, um elemento desta estranha simbiose, erodiu-se por completo, ou foi na maioria dos casos absorvida pela segunda. A sua função mediadora deixou de existir, ou melhor, este animal despiu-se daquela que era a sua função principal; servir quem o elege e lhe paga o salário. Claro que este salário tem vindo a ser, cada vez mais, complementado pelas “elites” que, apesar de menos numerosas, pagam melhor que a “populaça” pagadora dos impostos, que convém não esquecer, servem o bem comum. Quando o tal animal que aqui falamos começa a ser pago pelas tais “elites”, é lógico que as sirva. E bem. Nesse aspeto o nosso animal tem feito um excelente trabalho, transferindo os impostos da populaça, não para o bem comum, mas para os negócios das elites. O problema é que quando o animal começa a servir apenas uma parte da sociedade, e ainda por cima uma pequeníssima minoria, passa a ser um animal redundante. E quando o animal é redundante e deixa de fazer sentido, ou é extinto pelos seus predadores ou extingue-se gradualmente.

No presente contexto de informação social global, não controlada pelas elites, como acontece nos media tradicionais, e que moldam e deformam facilmente a visão do mundo e das noticias de modo a fazer prevalecer e defender os seus interesses, o nosso animal tem muita dificuldade em mexer-se, porque não existem maquilhagens, cortes oportunos na imagem ou no som, ou tempos de antena definidos. Ele tal como todos nós usa as redes sociais, mas arrisca-se tal como qualquer um de nós à humilhação e ao desprezo. E é caricato ver como este animal usa da sua linguagem arcana e institucional polvilhada aqui e ali de frases “populares” e gírias da moda para tentar alcançar o tal “público-alvo” que ele ainda finge que existe. O problema, para este mesmo animal é que, hoje em dia, quem faz as notícias, são as pessoas que usando o que as tecnologias hoje lhes permitem, relatam em primeira mão os acontecimentos. Segundo alguns estudos, a população jovem não vê televisão, e os que a vêm não acreditam no que é transmitido. Quando a televisão turca deixou de transmitir os protestos da praça Taqsim, quem se queixou foram exatamente as pessoas com mais de 35 anos, que juntando o que sabiam através das redes sociais e aquilo que não se refletia nas notícias, se juntaram aos protestos porque o governo estava a censurar os media tradicionais. 

E voltando à vaca-fria, no caso turco e brasileiro, e até no caso egípcio, as revoltas a que temos assistido são de cariz social, não contra a pobreza, mas sim contra a corrupção. A corrupção e inversão de valores, a corrupção dessa estranha simbiose que tem sido a base da civilização moderna, a natureza fraudulenta das democracias atuais, as cliques politicas que não permitem grupos independentes de cidadãos acederem ao poder e finalmente a tal elite que está do outro lado da barricada que que tem ficado com a parte de leão da riqueza gerada pelo desenvolvimento económico. E julgo que estes povos acima mencionados não estarão sozinhos naquilo que sentem.