Os dias são
brutos e começam com os alvores da madrugada. O corpo está cansado de dormir. Começa,
inquieto, a ranger de dores. Já sabe de cor o pequeno-almoço, o desbotamento
dos pratos, o gosto manteiga e do café com leite. O pão deixou de ter paladar.
É sempre o mesmo. O alvorecer não traz novidades.
O elétrico sempre apinhado e o comboio recebe-nos com os assentos já cansados. A cor do
autocarro já enjoa. Os nomes das pessoas vão sendo consumidos pelo uso e por
isso esquecemo-nos deles. Invejamos os jovens, porque não ponderam a velhice. Estão
demasiado ocupados a ser jovens e julgam que vivem para sempre.
As mesas e
cadeiras dos cafés têm as pernas gastas pelo tempo. Começam a dar de si onde
antes tudo tinha ar de novidade e era limpo. As lojas seguem-se umas às outras
em passo acelerado. Penhores, um supermercado, ou uma casa de apostas. Não se pára
p'ra contemplar.
Os manequins dos
grandes armazéns estão nus. As cores das montras sucedem-se; os vestidos
amarelos condizem com a última novidade em almofadas. Não há pachorra para modas.
Dantes só existiam duas estações: Verão e Inverno. Agora são as quatro estações
mais o S. Valentim e o dia das mães, dos pais, o Halloween, o Natal, o Ano-Novo
e mais desculpas para vender.
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Olho para o
reflexo das montras que passam e vejo alguém a meio da sua viagem. Levo algum
tempo a descortinar quem é. Aquele espectro fixa o olhar em mim. Não me reconheço
por fora. Decerto não sou eu por dentro.
E leio os mesmos livros várias vezes, e de cada
vez que os acabo fico surpreendido pelo final. Da vida é tão difícil recordarmo-nos
de tudo. Especialmente dos momentos felizes. Os traumas ficam para sempre
tatuados no coração. E tem-se menos medo dos estranhos que daqueles que nos são
próximos.
©2015 Alexandre
Alves-Rodrigues