Sonhei um sonho misterioso,
Assaz, tão estranho quanto invulgar,
Arcano, pois sim
Aquilo que venho aqui narrar;
Aproximo-me das águas de um pequeno lago
Como que pairando do plúmbeo firmamento.
Águas de verde límpido, saudável,
Velando um terrível arroubamento.
E abeirando-me, fisionomia humana se distingue.
No fundo saibroso, sereno dorme repousado,
Um varão, de corpo longo e estendido,
Um longuíssimo sono de afogado.
E antes que que lhe distingua as feições…
Sem dar notícia, tão veloz como num susto,
O homem a dormir em minha vista se putrefaz
E aceleradamente se transforma em carcaça
De lodo e algas velhas coberto agora jaz.
E é neste momento de crescendo horror
Que a luz da terrível imagem se faz mudar
O lago numa poça parada se metamorfoseia
Salobra no meio de minha sala de jantar.
Ao olhar em redor vejo, em ruínas.
A sala abandonada de muitos anos centos,
E ao olhar para cima a luz plúmbea atravessa
Num canto as tábuas onde antes meus aposentos.
E nos quadros da parede reproduções das ossadas
Onde antecedentemente fotografias de mim,
Só então sereno compreendi quem era ali,
O meu esqueleto coberto de lodo jazia,
assim.
© 2015 Alexandre Alves-Rodrigues