Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Podes não acreditar



João Vaz "Piteiras" 1897-1911



Podes não acreditar, pode até te parecer ridículo e pateta o que vou contar, porque sempre me achei ridículo, sempre me achei pateta, mas sinto saudades dos aloés à beira-mar. E nem sei bem porquê. Os aloés já lá não estão. Agora crescem palmeiras e pinheiros mansos. Tu também já lá não estás. Eu também não. Já não cresces à beira desse mar. Eu também não. Resta apenas o vento que traz a saudade de um tempo e uma ruína esquecida desmoronando-se na falésia. 

 Pode até te parecer piroso, porque sempre tive um pouco de piroso é certo, mas sinto falta da brisa suave do rio entre dois cafés na esplanada e olhar para os aloés que dantes subiam até ao forte, vigilante de invasões imaginárias de corsários comidos do escorbuto, atraídos pelo cheiro dos laranjais em flor nos vales por detrás das muralhas. Os laranjais em flor nos vales por detrás das muralhas são agora de tijolo oco e as muralhas são  ruas desertas. E nem sei bem porquê. Os aloés já lá não estão, agora crescem palmeiras e pinheiros mansos entre dois cafés na esplanada. 

Pode até te parecer caricato, afinal nunca fui senão caricato, mas sinto saudades do vento a atravessar a sombra dos pinheiros mansos junto às ruinas dos velhos moinhos.  Sinto saudades de olhar para o outro lado, onde uma ermida se levanta e uma cidade em ruínas se esconde nas dunas da praia.  E sinto saudades do cheiro da maré baixa e do cheiro de ostras frescas. Dos barcos a saírem do cais aos domingos levando gerações inteiras para dias inteiros de praia do outro lado do rio onde uma ermida se levanta e uma cidade em ruínas se esconde nas dunas da praia. 

Sinto saudades de voltar da banda de lá, ao fim do dia, quando o vento se levantava e as ondas faziam os barcos bailar nas suas cristas. Sinto saudades, como um amante sente saudades de um flanco perfumado, das curvas da estrada da Serra até ao convento. Do cheiro a rosmaninho, orégão e alfazema. E sinto uma saudade pateta das valiosíssimas turquesas que tingem as águas e que me lembram os teus olhos. Que de turquesa não têm nada. Ora vez como sou pateta. Pode até te parecer estupidez, porque debaixo desta aparência está o mais estúpido dos homens que conheceste. Mas toda esta nostalgia, toda esta saudade, são saudades de ti, do teu perfume e dos teus olhos, do teu corpo e da tua voz. 


©2016 Alexandre Alves-Rodrigues