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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A propósito de Caim, o de José Saramago


 
 
Li recentemente “Caim” o último livro de José Saramago. Nesta obra o falecido prémio Nobel utiliza o “condenado” Caim como viajante no espaço e no tempo bíblico, depois de um acordo feito entre este e Deus após o fratricídio de seu irmão Abel. Ao contrário do narrador bíblico, Saramago agracia o anti-herói deste conto, com o dom da crítica; particularmente a da acção do Deus hebreu ao longo da narrativa e que nos transporta por algumas famosas histórias (ou estórias como preferirem) do Velho Testamento. Caim aparece e desaparece dos lugares onde a acção divina decorreu (ou está para decorrer) e dialoga com os vários intervenientes humanos e não-humanos da acção questionando-os sobre a estranha lógica (nunca linear para um Deus que advoga(m) ser o mesmo ontem, hoje e sempre) das suas intervenções, dúbio sentido de justiça, xenofobia e sangrentas execuções e suposta piedade.
  
Aconselho vivamente a leitura deste livro a crentes e não crentes que ainda não o leram. Aos primeiros, porque lhes mostra a narrativa bíblica do ponto de vista critico (certo que Saramago sempre foi um detractor da Bíblia, mas tem de se lhe dar o beneficio da duvida por tentar percebê-la) do condenado Caim, que critica a nem sempre ética (aos seus primitivos olhos) acção de Deus, dos seus mensageiros e dos seus executores. Esta diferente perspectiva lança no ar acutilantes perguntas, muitas vezes genuinamente pueris, mas que na minha modesta opinião fazem muito sentido (lembro-me de eu mesmo as ter colocado aos meus professores de escola dominical). Aos segundos porque talvez confirme as suas convicções (ou a falta delas) e desmascara (por vezes rudemente, acrescentaria) as fragilidades e contradições da milenar narrativa acabando por ser uma leitura divertida e leve.

©Alexandre Rodrigues 2012

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