Relato
ficcionado pseudo-surrealista apresentado em episódios semanais e baseado em factos reais de umas férias em Malta, que me foram
relatados em primeira mão por um familiar que ainda não se refez das mesmas.
Carlos Chávenas saiu do
avião às 23.00 horas com a sua namorada Inês Serpinha no ultimo voo do dia e,
depois das costumeiras formalidades alfandegárias, dirigiram-se ao balcão de
rent-a-car do aeroporto de Malta, onde Carlos confirmou o aluguer de uma
viatura previamente ordenada on-line. O funcionário, Marjannu Zerafa,
entregou-lhes a check-list para assinar onde um desenho esquemático da
viatura mostrava esta como imaculada. Carlos, já experiente no aluguer de
viaturas no seu país e no estrangeiro, dirigiu-se ao parque do rent-a-car, deu
primeiro uma costumeira volta ao referido veiculo para se certificar que tudo
estava em ordem quando, notou várias amolgadelas em volta de todo o carro.
Diligente, voltou ao edifício aeroportuário, e acercando-se do balcão, que o
funcionário se preparava para fechar, proferiu em inglês:
- I’m sorry
but the car is not in order.
Marjannu deu um salto
na cadeira como se uma agulha imaginária lhe tivesse picado o traseiro, ao
mesmo tempo que erguia o sobrolho em teatral amadora expressão de espanto. Risonho
e de check-list na mão acompanhou Carlos na identificação de cinquenta e
seis amassadelas, quatro riscos e um pára-brisas estalado no canto inferior
direito de quem está de fora, esquerdo para quem está dentro da viatura. De
notar, e este é um aparte nosso, que nenhum painel dos vários que compunham a
infeliz viatura de quatro rodas estava isento de qualquer imperfeição. Marjannu
assinalou todos os defeitos, despediu-se cordial e afavelmente do casal,
desejando uma boa estadia, e voltou ao aeroporto para fechar o balcão.
Carlos e Inês entraram
na viatura de volante à direita, resquícios da ocupação britânica das ilhas, e
quando Carlos engrenou a marcha-atrás para tirar a viatura do estacionamento,
esta começou a andar para a frente. Carlos por pouco não batia no veículo
estacionado defronte ao seu. Como bom engenheiro informático que era, saiu do
carro e voltou a entrar. Voltou a ligar a ignição e mais uma vez engrenou a
marcha-atrás, desembraiou devagar e o carro moveu-se para frente. De repente,
teve uma epifania. Egrenou a primeira, desembraiou e o carro começou a mover-se
para a rectaguarda.
- OK, vou lá voltar
para me substituírem o carro. Espera aqui Inês.
Passados sete minutos e
vinte segundos precisamente, Carlos voltou para o carro, exclamando:
- O balcão já está
fechado!
Inês respondeu:
- Deixa.
Vamos com a marcha-atrás engatada até ao hotel.
- Ok, respondeu
Carlos, só espero que a caixa de velocidades aguente.
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahnnnnnnnn
n n n n n n n, aaaaaaaaaaaaaaaaahnnnnn n n n n n, miava a caixa de velocidades
cujo racio de marcha atrás era de 3,38:1, impedindo o veiculo de se mover a
mais de 10 km/h em altíssima rotação fazendo uma zoeira de enlouquecer o
mais sereno dos monges budistas dos conventos tibetanos de Lhasa.
Carlos encostou a
viatura e comentou:
- E se eu for de
marcha-atrás até ao hotel? Assim talvez dê para engrenar as mudanças normais
mas às arrecuas.
- Experimenta,
retorquiu Inês.
O caminho até ao hotel
foi todo percorrido em marcha-atrás, inicialmente a olhar pelo retrovisor, mas
este revelou-se pequeno demais àquela hora da noite, tendo ainda Carlos
atropelado um gato maltês que estava fora do ângulo de visão. O gato que tinha
acabado de dar um concerto de piano ainda teve tempo de miar:
- Mais
il est foux cette merdeux, ahn!?
Depois com a cabeça de
fora da janela, Carlos conseguiu engrenar quatro das cinco mudanças, com
dificuldade tudo porque ia contorcido no assento. Os dois mais o carro chegaram
ao hotel passava pouco da meia-noite.
©2013 Alexandre Rodrigues