Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Que Há de Comum Entre o Brasil e a Turquia.




Estamos todos mais ou menos familiarizados com os recentes acontecimentos de insurreição popular na Turquia e agora no Brasil. O que há então em comum entre estas manifestações e o que está realmente a mudar a nível mundial?

Na Turquia o problema surgiu quando populares se revoltaram por causa de um plano para converter um dos poucos jardins de Istambul, num centro comercial onde estavam incluídos a “reconstrução” de um quartel-general dos tempos do império otomano e uma mesquita. Todo o negócio, como sempre, muito opaco. O jardim, usado pela população das redondezas é também ele histórico, e sem este ponto de encontro, o tal centro comercial iria ou irá contribuir para o desenraizamento da comunidade local que ali se reúne para as mais diversas atividades. Claro que tudo isto nos cheira a mais um negócio onde o Estado através dos políticos da ocasião “oferece” a construção de mais um mamarracho a uma empresa de construção com boas ligações ao poder, e onde o lucro a curto prazo é o fator mais importante e o bem-estar da população uma quimera. Onde é que nós já vimos isto? Mas com toda a certeza não será só por isto que a população turca urbana, formada e informada através das redes sociais, laica e quiçá viajada se terá revoltado. E não é só por causa do aumento do preço dos transportes públicos urbanos que os brasileiros se estão a revoltar. Não. E não foi por causa do tipo de regime ditatorial que os tunisinos e os egípcios se revoltaram, ou os líbios se amotinaram e os sírios se envolveram numa guerra civil do mais desumano que se possa imaginar. 

No caso do Brasil, um país que ainda está em fase de desenvolvimento, o erro português repete-se; na cegueira e vaidade politica para se fazer sobressair no xadrez mundial (europeu, no caso português), o Brasil está em velocidade de cruzeiro para se tornar num paraíso do betão, com a sua prole de estádios, eventos megalómanos, centros culturais e até escolas hospitais e museus, esquecendo-se que para se ter boa educação, saúde e cultura, aquilo que é preciso para fazer funcionar essas mesmas infraestruturas é a qualidade; qualidade no ensino, qualidade na saúde, qualidade na cultura, investindo com seriedade nestes recursos para que das escolas saiam bons médicos, bons professores, engenheiros, mecânicos, eletricistas, etc. Sem eles, o Brasil e a Turquia, tal como Portugal serão sempre um países em desenvolvimento, sempre coxos, cheios de ar quente, despovoados e sem dinheiro para manter as megalomanias que as elites politicas e económicas nos impingem diariamente pela goela abaixo, quer gostemos ou não do xarope.   

O problema tem origem nessa espécie de animal que Brendan Perry bem descreve na canção “The Bogus Man”; sicofântico, de sangue frio, “reptiliano”, carreirista e aproveitador. Essa espécie repelente que faz da intriga, da malevolência e da conspiração o seu modus-vivendi. E este animal, por mais incrível que pareça, não tem ideologia, nem deus, nem ideal. Apenas vive para o presente, alimenta-se da sua própria vaidade, e se pensarmos bem, nos tempos que correm, não tem grande utilidade. É pois de prever que a sua extinção estará eminente. 

Com a falência previsível dos “ismos” à esquerda e à direita, os partidos ou “ideologias” que ainda teimam em prevalecer um pouco por todo o mundo, esvaziaram-se, e foram esvaziadas por esses mesmos animais acima descritos, do seu conteúdo e não são mais do que uma casca aparente, uma mera formalidade, roçando nalguns casos o folclore, noutros a palhaçada, sendo alvo de chacota, desprezo e até de genuína revolta na presente estrutura social do mundo. A função que este animal tinha no equilíbrio da balança da sociedade, entre a “populaça” e as “elites” sendo ele, um elemento desta estranha simbiose, erodiu-se por completo, ou foi na maioria dos casos absorvida pela segunda. A sua função mediadora deixou de existir, ou melhor, este animal despiu-se daquela que era a sua função principal; servir quem o elege e lhe paga o salário. Claro que este salário tem vindo a ser, cada vez mais, complementado pelas “elites” que, apesar de menos numerosas, pagam melhor que a “populaça” pagadora dos impostos, que convém não esquecer, servem o bem comum. Quando o tal animal que aqui falamos começa a ser pago pelas tais “elites”, é lógico que as sirva. E bem. Nesse aspeto o nosso animal tem feito um excelente trabalho, transferindo os impostos da populaça, não para o bem comum, mas para os negócios das elites. O problema é que quando o animal começa a servir apenas uma parte da sociedade, e ainda por cima uma pequeníssima minoria, passa a ser um animal redundante. E quando o animal é redundante e deixa de fazer sentido, ou é extinto pelos seus predadores ou extingue-se gradualmente.

No presente contexto de informação social global, não controlada pelas elites, como acontece nos media tradicionais, e que moldam e deformam facilmente a visão do mundo e das noticias de modo a fazer prevalecer e defender os seus interesses, o nosso animal tem muita dificuldade em mexer-se, porque não existem maquilhagens, cortes oportunos na imagem ou no som, ou tempos de antena definidos. Ele tal como todos nós usa as redes sociais, mas arrisca-se tal como qualquer um de nós à humilhação e ao desprezo. E é caricato ver como este animal usa da sua linguagem arcana e institucional polvilhada aqui e ali de frases “populares” e gírias da moda para tentar alcançar o tal “público-alvo” que ele ainda finge que existe. O problema, para este mesmo animal é que, hoje em dia, quem faz as notícias, são as pessoas que usando o que as tecnologias hoje lhes permitem, relatam em primeira mão os acontecimentos. Segundo alguns estudos, a população jovem não vê televisão, e os que a vêm não acreditam no que é transmitido. Quando a televisão turca deixou de transmitir os protestos da praça Taqsim, quem se queixou foram exatamente as pessoas com mais de 35 anos, que juntando o que sabiam através das redes sociais e aquilo que não se refletia nas notícias, se juntaram aos protestos porque o governo estava a censurar os media tradicionais. 

E voltando à vaca-fria, no caso turco e brasileiro, e até no caso egípcio, as revoltas a que temos assistido são de cariz social, não contra a pobreza, mas sim contra a corrupção. A corrupção e inversão de valores, a corrupção dessa estranha simbiose que tem sido a base da civilização moderna, a natureza fraudulenta das democracias atuais, as cliques politicas que não permitem grupos independentes de cidadãos acederem ao poder e finalmente a tal elite que está do outro lado da barricada que que tem ficado com a parte de leão da riqueza gerada pelo desenvolvimento económico. E julgo que estes povos acima mencionados não estarão sozinhos naquilo que sentem.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comentadores de bancada