Assisti
em casa, no passado fim-de-semana, num dia de chuva forte como só Manchester proporciona, ao filme “Gaiola
Dourada”. E raramente me comovo ao ver um filme que foi concebido como uma comédia
ou farsa, ou ambas. Mas este ganhou-me no demonstrar dos sentimentos. Talvez
porque senti empatia por aquele casal de emigrantes, que, da sua bondade e altruísmo era
explorado por quem lhes deveria estar agradecido. Isto vem a propósito desta crónica que me desagradou muito pela deselegância com que foi escrita.
Eu saí do meu país muito antes da
crise. Saí porque quis, à procura da oportunidade que em Portugal sabia não
ter. Mas também saí magoado com as pessoas. Pela sua atitude, pequenez e por
serem mal-agradecidas, arrogantes no fundo. Não sou da geração de emigrantes retratada pelo casal protagonizado
pelos atores Rita Blanco e Joaquim de Almeida. Não saí do país para enriquecer
ou para poupar, para na reforma construir esse “Shangri-lá” lusitano que é a “casa
portuguesa” de paredes caiadas. Não. Saí à aventura e sem expetativas absolutamente
nenhumas. Sem choros nem lágrimas. E porque a vida tem altos e baixos, não me
deito a falar mal dos ingleses quando estou em baixo ou a falar mal dos portugueses
quando estou na mó de cima. Ambos os povos têm defeitos e virtudes. São as
pessoas, cada uma delas com quem interajo, que fazem (ou não) a diferença na
minha vida.
Voltando
ao filme. Comoveu-me e comove-me o facto das pessoas se deixarem explorar,
comove-me o facto do ser humano ser tão traste para com o seu semelhante, ou
para aqueles que acha serem inferiores a si ou à sua cultura nativa. Eu por
feitio, mais que por natureza não gosto de ser subserviente para ninguém, e
muito menos gosto que o sejam para comigo. Essa deveria ser a premissa que
qualquer português na diáspora deveria levar consigo. Rosto erguido, enfrentar
os desafios de peito aberto, ser exemplar como cidadão no país de acolhimento
(e no de origem também) e aprender que quando se emigra, as desilusões são um
dado adquirido, mas nunca, nunca ser subserviente de nada nem de ninguém. A subserviência
demonstra a falta de confiança que temos em nós próprios, e em Portugal existe
disso por demais, basta olhar para aqueles que governam o país. Basta olhar para
o cidadão comum que inveja a prosperidade alemã, mas despreza a cultura de
trabalho árduo do leste da Europa ou a irreverencia e alegria da América do
Sul.
As vitórias na emigração são raras e espaçadas entre si, mas extremamente
saborosas.
Cansam-me as pessoas que vivem para agradar aos outros,
especialmente àqueles de quem não gostam, e são esses que quando voltam a
Portugal tendem a mostrar o carrão, a pagar jantaradas aos tais que detestam e desdobram-se
em converter os salários que ganham em gabarolice avulsa. São por certo os mais
desiludidos quando as coisas não correm bem. São os que não desfrutam das (verdadeiras)
oportunidades da emigração: conhecer outras culturas, outros modos de pensar e
de trabalhar, aprender com os defeitos e com as virtudes dos outros e
reconhecer que o nosso país, com todos os defeitos que tem, também tem
virtudes. Mas desprezar e chamar de cobardes os que partiram é, para além de
injusto, prova uma grande desonestidade intelectual. Cada um terá as suas razões
para tentar a vida noutro país, desde que o faça honestamente. Mas também é de
uma grande desfaçatez e incongruência chamar piolheira ao país de origem, de
onde afinal recebemos a nossa herança cultural e por muito que nos custe, nunca
a abandonaremos verdadeiramente. No entanto, eu que não me considero nem
Calimero e muito menos cobarde, julgo que muito dificilmente voltarei ao meu
país, porque no meu país não existe aquilo que eu ambiciono como carreira ou como projeto de vida, nem
existem as oportunidades para o fazer. E também não acredito que Portugal melhore
muito (com ou sem pedidos de auxilio externo), apenas e puramente por razões
históricas. Mas faço minhas as palavras da letra do fado cantado no final do filme:
Das mãos de Deus tudo aceito,
Mas que eu morra em Portugal.
©Alexandre
Alves-Rodrigues 2014