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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O Burocrata, o Sindicalista e o Tecnocrata.




"The bureaucracy is expanding to meet the needs of the expanding bureaucracy.”
 ~ Oscar Wilde.


O burocrata é um dos filhos bastardos da política. Visto ter sido parido à força, foi adotado pelo Estado que o aperfilhou e tornou-o no seu mastim. Animal monstruoso, sem voz, nem vontade, e muito menos opinião, o burocrata tem olhos em todo o lado, mas é completamente cego, tem muitas mãos, mas estão de tal modo atadas por imposição primeira das hierarquias, e segunda porque não tem vontade-própria, logo não tem vontade de as desatar, estas servem para muito pouco e estão limitadas no seu movimento por portarias e decretos-lei. As pernas estão agrafadas a uma cadeira de onde não pode sair. Tem a cor de todos os tons de cinzento, fazendo dele muito difícil de o distinguir dos outros burocratas. O burocrata alimenta-se de papelada, de preferência assinada e carimbada, de dados, muitos dados e de políticas absurdas. Revolve-se como um cerdo na tinta das inúmeras canetas e carimbos de onde emite execuções absurdas. O burocrata não tem espinha dorsal e apesar dos muitos pés e muitas mãos, quando se desloca, rasteja como um verme deixando atrás de sim um rasto de pestilência e traição que fede à distância. O burocrata usa uma máscara de tolerância e benignidade, mas a sua verdadeira face é a do terror, a do terror sem face. Tem a mesquinhez avara dos tristes que não suportam a alegria dos outros, e tudo fazem para que os outros se sintam tão miseráveis quanto eles. Esse é o Santo Graal do burocrata. Existem várias hierarquias de burocratas, a saber: o júnior burocrata, essa criatura de preferência nova, inútil noutros ramos da vida, ou porque não teve outra escolha, que decide juntar-se ao exército de cegos-surdos-mudos que são os burocratas. O júnior burocrata tem de se ser moldado. Primeiro retira-se-lhe a vontade. A vontade de servir o próximo e a causa pública, o isco usado pelos burocratas para recrutar outros burocratas. Depois, a vontade de vencer por mérito próprio e finalmente retira-se-lhe a espinha e coloca-se-lhe na mão a adaga com que no futuro irá apunhalar nas costas os outros burocratas. Só assim o burocrata sobe na cadeia hierárquica. Depois existe o burocrata sénior. O burocrata sénior já mostrou aos seus superiores hierárquicos a sua fidelidade ao sistema burocrático, através do bom uso da adaga e claro dos serviços prestados, não em prol do bem público, mas em prol da instituição burocrática onde está inserido e mais importante ainda, em seu proveito próprio. O burocrata sénior é recompensado com pequenas equipas de burocratas juniores, pois só os primeiros, ainda frescos da sua promoção, podem ser o melhor exemplo para os segundos. Finalmente, o chefe-burocrata é o burocrata que já faz parte da mobília burocrática e é ele, através da sua larga experiencia em inventar processos desnecessariamente complexos e burocráticos, que justifica a expansão da burocracia e consequente contratação de mais burocratas para os serviços burocráticos que dirige. Dentro deste grupo, claro, existem burocratas-chefes que apenas se dedicam a fazer cumprir a disciplina a todos os outros burocratas, e outros ainda que se dedicam apenas a vigiar os burocratas inferiores. Outros ainda dedicam-se a pequenas tarefas que foram criadas através de processos burocráticos extremamente complicados e desnecessários, apenas para justificar a sua existência burocrática, a existência de pequenos tiranetes-burocratas que são donos destes exíguos reinos sinistros onde pilhas de papelada supérflua se acumula que depois é servida como alimento ao exército de burocratas, fazendo assim prosperar estes mesmos feudozinhos. Estes reinados do chefe-burocrata substituíram a adaga do burocrata júnior e sénior em caso de necessidade. Escusado será dizer que é sempre necessário porque a ameaça do inimigo interno, os outros burocratas, está sempre à espreita e é muito importante para o burocrata nunca baixar a guarda.


Dentro do exército de burocratas que sobem na escada hierárquica, existe também um que se move horizontalmente: o burocrata-sindicalista. O burocrata-sindicalista é um burocrata abnegado e tem menos direitos que os outros burocratas. Não tem o direito de trabalhar tanto nem tantas horas como os outros burocratas, não tem o direito de chegar tão cedo ao trabalho como os outros burocratas, nem o direito de sair tão tarde quando todos os outros burocratas finalmente rastejam das suas secretárias para os seus buracos escuros onde ainda aí continuam as congeminações e traições para apunhalar nas costas os outros burocratas. Não, o abnegado burocrata-sindicalista zela pelos interesses primeiros do seu posto de burocrata-sindicalista, depois os do seu sindicato e finalmente, os dos outros burocratas, até porque convém ao burocrata-sindicalista mostrar algum poder aos seus pares. Esta é a segunda arma do burocrata-sindicalista. O burocrata-sindicalista trabalha de um modo muito peculiar, a saber: com as mãos nos bolsos do casaco de hipocrisia que nunca despe, porque a qualquer altura do dia de trabalho pode ser chamado pelo sindicato para uma reunião burocrática acerca dos interesses burocráticos do sindicato. O trabalho burocrático, a ascensão na carreira burocrática e os supostos direitos dos outros burocratas mais as suas intermináveis minorias e grupelhos de interesse são sempre acordados entre os chefes-burocratas, os burocratas-sindicalistas e os burocratas-séniores, por esta ordem, em reuniões burocráticas intermináveis mas de agenda previamente acordada numa burocrática reunião anterior, resultado de uma outra reunião anterior a esta onde foram escolhidos os representantes das várias hierarquias de burocratas que irão definir a agenda das reuniões subsequentes sobre a evolução dos processos burocráticos futuros e o futuro dos burocratas. No regime burocrático é muito importante ter muitas reuniões ao longo do dia para de um modo complementar ao da burocracia, justificar a existência do burocrata. Essas reuniões servem para preparar outras reuniões e assim por diante. O burocrata é como um cão que persegue a sua cauda interminavelmente, com a diferença que o cão cansa-se e o burocrata alimenta-se deste exercício inútil que só serve para fortalecer a missão do burocrata. 


Finalmente o tecnocrata. O tecnocrata é um alto-burocrata, que tanto pode ter subido na carreira à força de muito apunhalar outros burocratas nas costas, ou através de relações incestuosas com a sua mãe, a política, que é no fundo a mesma coisa e com os mesmos métodos, apenas o cheiro é diferente. É da responsabilidade do tecnocrata lamber as botas ao politico-ministro e quando este defeca as suas ideias de jerico na cabeça do tecnocrata, este transformá-las-á com a ajuda subordinada dos chefes-burocratas em processos burocráticos complexos e inexequíveis pelos outros burocratas, que se contorcem e guincham como baratas-tontas, especialmente o burocrata-sindicalista, quando tem de começar o processo burocrático todo de novo, algo que acontece frequentemente ao longo de um ano ou quando há mudanças de cadeiras na politica. É nestas alturas de mudança burocrática que as taxas de apunhalamento nas costas mais sobe, juntamente com os golpes palacianos. Mas esta fase dura pouco tempo, porque como já se afirmou o burocrata não opina, nem discute ordens, apenas as cumpre. Quanto ao burocrata-sindicalista é-lhe oferecido um direito-adquirido impossível de gerir, a não ser por um complicadíssimo processo burocrático para que a sua existência também se continue a justificar. Só deste modo o tecnocrata pode justificar a sua existência e o seu poder, que é um feudo maior mas sempre subjugado ao feudo do político-ministro, a não ser que este caia em desgraça no meio dos seus pares ao ser apunhalado nas costas e o tecnocrata tome o seu lugar. Mas isso é outra história. 


Bureaucracy — the giant power wielded by pygmies.”
~ Honoré de Balzac

©Alexandre Alves-Rodrigues 2014

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