Os
meus “timings” com as mulheres nunca
foram os mais acertados. Ainda hoje é assim. O que me sobra em pensamento
falta-me em palavras. Ou será coragem? E as mulheres esperam de nós a conversa.
E que seja minimamente interessante. Eu tenho-me como aborrecido. As mulheres
também. Acabo sempre por observar atentamente as que conversam entre si ou os
homens que as tentam levar na conversa.
Um
comboio encharcado está parado à minha frente. O maquinista coloca os motores a
funcionar. Um cheiro acre de Diesel queimado enche a plataforma. Mistura-se com
o cheiro da chuva. Parte vazio em direção a Liverpool e ao pôr- do-sol. Os
Domingos à tarde são estranhos. Vou partir na direção oposta. Também vou vazio.
Foi
sempre assim. Gosto da companhia das mulheres, escutar as suas conversas, como atento
espectador de um ato teatral que se desenrola à sua frente, por vezes comédia,
não raras vezes farsa. É que as mulheres são excelentes na arte da farsa. A
maior parte não se apercebe disso, apenas as mais inteligentes. É com elas que
gosto de conversar. São essas que observo com delícia e prazer. Mas ainda
assim, fica sempre tanto por dizer. Haveria tanto para dizer sobre as mulheres.
Ficarão sempre silêncios. Ou serei eu que fico com a sensação de silêncios perenes
talvez porque nunca entenderei as mulheres e no entanto leio-as tão bem. Ou
assim julgo.
Deixo
Manchester para trás, como já deixei outros rumos. No horizonte, o céu é azul.
Por cima da cidade é cor-de-rosa, púrpura e laranja. As ruas estão molhadas e
as estradas brilhantes da chuva vaporizada momentos antes. O sol põe-se lento e
morno, laranja no horizonte, magoando-me os olhos. Um comboio é um bom sítio
para pensar.
Fica
sempre tanto por dizer. Ficam nestes anos todos uma sensação de desconforto
inteiriço que resvala na memória como uma avalanche iminente, mas que nunca
aconteceu, porque nada foi dito. Palavras que foram tantas vezes ensaiadas mas
que o nó na garganta asfixiou à saída. Um ciclo que nunca se fechou efetivamente.
Gostaria tanto de colocar a conversa em dia. E quem sabe uma pedra no assunto. Não
há pressa. Há necessidade. Aprendemos nestes anos de experiência as artes da
espera e da paciência.
O
horizonte azul é cada vez mais estreito, o comboio acelera rumo ao interior,
onde as nuvens são mais espessas, mais densas, mais negras. Na estação
seguinte, já não há passageiros, apenas sombras solitárias, caminhando na direção
da luz emanada pelas composições do comboio noturno.
De
dia sinto-me ridículo. À noite escrevo… a noite tem destas coisas. Ridículo
por não poder voltar atrás e emendar o passado. Ridículo por escrever. Ridículo
por não me conseguir libertar deste íncubo, esmagador como uma montanha intransponível,
na iminência de desabar sobre mim. Ridículo por intuir que me acham ridículo.
Um destes dias conversaremos. Mas antes bebo um copo para ganhar coragem. Ou
será para esquecer?
A
viagem prossegue rumo à escuridão da noite. Não é percetível se já anoiteceu ou
se a luz que resta está coberta pelas nuvens densas. É tão difícil perceber as
nuvens. São como as mulheres, deixam-nos turvos, sem conseguir discernir o
caminho. Umas porque são belas, outras porque são astutas. Ou ambas as coisas. Ou
nenhuma.
Fui
em tempos fã da Cybil Shepherd. Sempre me imaginei o Bruce Willis da série
televisiva “Modelo e Detetive”. Não que eu seja parecido com o ator. Longe
disso. Tal como os dois personagens da famosa farsa, haverá para sempre entre mim
e as mulheres uma tensão, um rancor aparente, e em mim um sorriso trocista com
vontade de prosseguir, mas sabendo que isso seria desastroso. E nelas vejo essa
fraqueza desarmante, tecida nas noites solitárias em que por vezes olham para o escuro
da noite pela janela, sabendo também que entre nós não iria dar certo, porque
nesse dia o espetáculo acabaria, porque é esse desconforto que dá
corda ao enredo.
O
comboio avança já no negro da noite. Entra por túneis escavados nas entranhas
do “Peak District”. Apenas sei que passo por eles porque se sente a diferença
na pressão dentro da carruagem onde escrevo isto. Este texto, fruto de uma
imaginação que se me afigura ora fértil, ora louca. Este texto vaporizado de
negro que se confunde com o negro da noite que entra pela janela. É este um
pedaço da minha mísera existência.
©Alexandre
Alves-Rodrigues 2014