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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Como sobreviver ao amor





  


©Ricardo Silva. Crossroads
Quando o tempo de a contemplar de novo se aproximava, a ansiedade brotava em Acácio Veríssimo como uma fonte. A mesma ansiedade de há tantos anos, aquela inquietude na barriga, uma espécie de euforia dissimulada pelo complexo de achar o objeto do seu amor tão distante e diferente de si, de um outro mundo que não era o seu. E quando finalmente a presenciava, em toda a sua beleza, mesmo depois daqueles anos todos sem a comtemplar, ficava sempre sem reação, talvez porque ela também não mostrava ou demonstrava qualquer emoção na sua presença, senão aquela de cumprimentar alguém que não via há algum tempo. E ele percebia pela sua conversa que, de certo modo ela lhe lia o pensamento, e opinava exatamente o oposto. O que ele não sabia nem conseguia adivinhar, porque sempre fora muito mau a adivinhar, é se ela o fazia para o testar, ou para lhe dar a entender que não queria nada dele. Por si até ficaria contente com a sua inimizade, sempre seria melhor que a indiferença que aparentava, pensava desesperado. Quer dizer, não seria bem indiferença, mas uma certa distância, medida, calculada, e de certo modo eficaz, pensava ele, porque o paralisava quando estava próximo daquela mulher. Sempre assim fora. É claro que sim, sobreviveu sem saber dela durante muitos anos, iludido que a esqueceria. Tão iludido. Porque não passava um dia sequer em que Acácio Veríssimo não pensasse nela, e naquilo que, querendo ela, ainda poderiam ser juntos. É curioso, porque Acácio Veríssimo nunca pensava naquilo que poderiam ter sido, ou o que poderiam ter feito juntos se a oportunidade tivesse surgido no passado distante, se estivessem em sintonia, se ela o tivesse desejado no tempo certo, ou seja ao mesmo tempo que ele a desejou. Bastava terem chegado a acordo quanto aos sentimentos que nutriam um pelo outro, algo que nunca aconteceu de facto. 

Acácio Veríssimo sobreviveu à ilusão que criou e da qual não escapou ileso, a da existência real daquela estranha mulher que apenas e tão só existia na sua imaginação. De todo modo as cicatrizes eram profundas como profundos eram os mares do seu pensamento e não tinha a certeza se alguma vez sarariam, porque deliberadamente e diariamente as limpava com o sal da sua lembrança.

©Alexandre Alves-Rodrigues 2014

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