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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Férias em Malta - 2ª Parte




II
Ao chegar ao balcão do hotel, Carlos e Inês foram recebidos pelo mesmo sujeito que lhes alugou o carro no aeroporto envergando agora um casaco diferente e um crachá identificando-o com Karistu Salvaloco. Tendo as formalidades levadas a cabo por este seguido normalmente, Carlos e Inês dirigiram-se ao quarto. Quando abriram a porta e seguidamente acenderam a luz, a primeira coisa que notaram foram jornais e mapas da ilha de Malta em língua alemã espalhados pelo chão e por todas as superfícies planas do mobiliário. Depois foram as garrafas de cerveja e vodka, umas meio cheias, outras meio vazias (um dos alemães que ali passara estava deprimido) e por fim a cama desfeita debaixo da primeira página do Der Spiegel. Carlos poisou as malas, decidido a que nada lhe estragasse as férias, muito menos umas malas pesadas e dirigiu-se à recepção do hotel, ao mesmo sujeito que agora se chamava Duminku Serieux, pois havia trocado de crachá quando bateram as doze e trinta, e atirou: 

- I’m sorry but the room is not in order

- Impossible! Exclamou o recepcionista abrindo os olhos numa surpresa mal ensaiada. 

Dirigiram-se os dois ao quarto onde Inês se tinha sentado em cima de uma das malas, jogando com um iô-iô de estimação que trouxera clandestinamente de Portugal, pois as autoridades de segurança aeroportuárias tinham considerado os iô-iôs como arma de arremesso perigosa e baniram o seu uso dentro dos aviões, especialmente depois de um grupo de separatistas da Micronésia parlantes da língua chamorro ter ameaçado fazer cair um avião norte-americano, ao terem manietado a tripulação a golpes de iô-iô.
O recepcionista verificou o quarto, pediu muitas desculpas, muitas mais do que as que Carlos e Inês tinham trocado em Lisboa antes da viagem numa casa de cambio ali para os lados do Intendente, e viram-se de repente sem desculpas para dar a mais ninguém. Depois de mais meia hora de formalidades, enquanto o agora Duminiku refazia totalmente a marcação do casal num computador de 1996, foram de novo encaminhados para um quarto. 

Ao abrirem a porta, e às escuras, um forte cheiro a divisão fechada cheia de humidade quente percorreu-lhes as narinas atravessando o cérebro e deixando algumas sinapses completamente queimadas. 

- Cheira a mofo. Disse Inês segurando um vómito. 

- É bafio. Retorquiu Carlos. 

- Desculba, bas a bim cheira-be a bofo, disse Inês enfiando dois dedos pelas narinas dentro. 

- Já te disse que é bafio. Teimou Carlos. Então não se vê logo?

 Ao acenderem a luz, o quarto escorria água de uma das paredes, por uma infiltração no tecto manchada de castanho. Inês reparou que alguns cogumelos brotavam dos rodapés junto à mini cascata. Carlos franziu o sobrolho e comentou com Inês:

- Eu até nem sou esquisito, mas sabes como tenho o sono leve. Uma cascata no quarto, por muito romântico que pareça faz imenso barulho e como tal não vou conseguir descansar. Já volto.

Dirigiu-se de novo ao balcão da recepção onde Duminiku se entretinha a jogar Subuteo com o barman, e exclamou: 

- I can’t have that room. It smells of damp and there is water running from the wall. 

- O meu colega deve ter-se enganado, respondeu o recepcionista depois de marcar um livre directo ao barman, que entretanto despeitado voltou ao bar. 

- Mas foi você que me deu aquele quarto! Exclamou Carlos que, reflexo imediato olhou instintivamente para o crachá onde agora se lia Lażżru Abdilla. 

- Não, desculpe mas foi o meu colega do turno que acaba à meia-noite e meia que o atendeu e lhe indicou o quarto. Está aqui na sua ficha de cliente. Peço-lhe muitas desculpas por este percalço. 

- Já não me restam desculpas nenhumas -retorquiu Carlos exasperado - o seu colega pediu-me todas as que trouxe de Lisboa. 

- Nesse caso vai ser difícil arranjar-lhe outro quarto. Estamos quase cheios.

- Espere, disse Carlos, não me diga que ainda vou de ter ir para outro hotel. Olhe que lhe deixo uma má review no website das viagens. 

Lażżru, ergueu o sobrolho direito e franziu o esquerdo pensativo, enquanto teclava ferozmente à procura de um quarto vago. Tenho aqui um com uma vista excelente. É no terceiro andar. Aqui estão as chaves. Carlos voltou ao quarto da cascata para ir buscar Inês e as malas, e dirigiram-se para a nova acomodação.
Carlos exalou com força antes de rodar a chave do novo quarto, fechou os olhos e abriu a porta. Nenhum cheiro esquisito. Acendeu a luz, tudo parecia arrumado. De repente Inês, que espreitara por cima do ombro de Carlos, gritou: 

- As cortinas! 

Carlos que olhara para as paredes em primeiro lugar, não tinha reparado que a janela de vidro à sua frente, se encontrava despojada de cortinados. Não só isso mas estes encontravam-se empacotados em cima do sofá. Inês, de voz trémula impava:

- Não vamos ter privacidade nenhuma. 

Ao que Carlos retorquiu:

- Pior ainda é que de manhã vamos ter luz bem cedinho e depois de uma noite como esta eu quero é dormir. Já volto. 

Desceu as escadas, chegou ao lobby e deparou com Lażżru a ser violentamente bombardeado por B-52’s em chamas, atirados pelo barman despeitado depois deste ter perdido a partida de Subuteo.

- This is the third time I come here tonight, I do not have more apologies for you to accept and again, the room is not in order. E não me diga que mudou de nome outra vez! Gritou Carlos.

- Não mudei nada de nome, ora essa! Indignou-se o recepcionista, desviando-se de mais um shot explosivo. Como pode ver pelo meu crachá, chamo-me Lażżru Abdilla, ao seu dispor. Diga por favor. 

Carlos sumarizou:

- O quarto não tem as cortinas no lugar. 

Lażżru olhou para um lado, olhou para o outro e, em voz baixa e nasalada comentou: 

- Voi um cãsal de checos que bediu bara as rebover, e dizendo isto piscou o olho a Carlos. 

- Pois então volte a colocá-las no lugar - respondeu-lhe este em voz alta e não nasalada. Eu não tenho taras nem fetiches desses!

- Lamento, disse Lażżru peremptório. A senhora da limpeza só pega amanhã às oito e antes disso é impossível.

 - Então quero outro quarto e desta vez com cortinas. Rematou Carlos.

Mais uma vez, Lażżru lançou-se em novo ataque furioso às teclas do computadorossáurio, que soltava guinchos pré-históricos e disse:

- É o último quarto! A ver se desta vez acertamos!

Carlos pensou: eu é que te acertava e era com este dálmata de loiça que aqui está encostado ao balcão, mas contido retorquiu:

- Eu ainda não falhei nada. Aliás tem sido cada tiro, cada melro, como se diz no meu país.
Lażżru olhou confuso para Carlos e voltou a arremessar os dedos de encontro às teclas do venerando e geronte calculador electrónico. 

Carlos levou a nova chave pelas escadas e corredores do hotel murmurando baixinho um mantra:
- Por favor, que seja desta. Por favor que seja desta. Por favor que seja desta.

Inês que tinha voltado a jogar com o iô-iô, ao ouvir Carlos aproximar-se indagou:

- Com quem é que vens a falar?

- Com ninguém. Respondeu Carlos cabisbaixo. Só estou cansado disto tudo, mais nada. 

Finalmente, o último quarto disponível aparentava estar em condições, a luz funcionava, o chuveiro era na casa de banho e tinha águas quentes e frias e as cortinas estavam no sítio. O casal nem esperou para desfazer as malas. Deitaram-se na cama e exaustos dormiram o sono dos silvas, tudo porque o sono dos justos já estava ocupado por um casal de turistas holandeses desejosos de conhecer um pouco mais dos hábitos de repouso portugueses.



©2013 Alexandre Rodrigues
 

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