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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Férias em Malta - 5ª Parte





V


Depois da operação, Carlos encontrava-se de pé enfaixado e amparado por duas muletas, tendo sido avisado por uma das enfermeiras que devia apenas evitar a areia das praias para não ganhar nenhuma infecção. O casal resolveu então ir a Anchor Bay, recomendada pelo recepcionista do hotel, onde foi-lhes dito, havia uma aldeia-cenário de um antigo filme de Holywood cujo personagem principal era um marinheiro de desproporcionados antebraços que só comia espinafres de lata e tinha uma namorada por demais subnutrida. Não se sabe se a subnutrição da sujeita era devia ao facto de não comer espinafres, vegetal monopolizado pelo marinheiro, ou se por usar substâncias psico-trópicas importadas clandestinamente da América do Sul pelo maior rival do namorado, que a tentava brutalmente seduzir, utilizando para tal as ditas substâncias de apsecto farinhento e branco. Certo era que se recusava terminantemente a comer os duvidosos hamburgueres do senhor Cobardolas que havia montado negócio em Anchor Bay depois de problemas que havia tido quando os dois marinheiros rivais, o dos antebraços e o brutamontes, resolveram abrir restaurantes do género, rivalizando entre si, roubando clientela um do outro tendo acabado em luta de comida, aproveitada então como activos sólidos e liquidos pelo senhor Cobardolas para abrir o seu próprio estabelecimento comercial aliás famosissimo na aldeia, talvez por ser o único, depois do desastre comercial que foram as venturas gastronómicas dos dois marinheiros rivais. 


Ao chegarem à aldeia, Carlos e Inês foram logo interceptados pelo marinheiro brutamontes que lhes tentou vender substancias ilegais de primeira classe. Carlos reparou que o brutamontes era parecido com a velhinha da escadaria da igreja que lhes vendera a falsa agenda com o lenço dentro, e rejeitando qualquer tipo de negócio com o sujeito, este ficou nitidamente mal-disposto, de tal modo que lhes atirou com algumas altercações menos elegantes, especialmente à namorada de Carlos que corou valentemente, mesmo estando fortemente bronzeada do sol da ilha de Malta e jurou vingança do casal.


Mais à frente, o famoso marinheiro dos antebraços desproporcionados, zarolho e de cachimbo nos beiços havia montado um espetáculo de rua para os turistas, que consisitia basicamente em largos e pesados objectos que eram atirados ao ar, esmurrados e transformados pelo mareante em “souvenirs” e posteriormente vendidos aos turistas. Um dos pontos altos deste espetáculo eram as ancoras de petroleiro compradas nas sucatas cingalesas de navios mercantes, que eram transformadas, pelo processo atrás descrito, em ferraduras com a inscrição “Tifkira ta ‘Malta”, isto depois de ter esmurrado um mastro em madeira de um veleiro françês em molas de roupa e uma chaminé de um transatlântico em anzóis de pesca. 


No final do espetáculo Carlos comprou algumas ferraduras para distribuir pelos amigos e familiares e entabulou conversa com o marinheiro que se queixou da falta de trabalho no mar, primeiro desde que os navios mercantes deixaram de aportar mais frequentemente na ilha para reabastecer, depois ainda se dedicou à pesca, mas desde que o país aderira à União Europeia as coisas estavam mesmo más e lá conseguia fazer algum dinehirito vendendo “souvenirs” e outras lembranças da ilha.

- Então de onde são? Indagou o marujo enquanto reacendia o cachimbo, chupando ar que fazia assobiar o aparato e que entretanto começara a fumegar.
- De Portugal. Disse Carlos.
- Ah sã perrtugueses!! Eh àgorra!! Nã aparrecem muntes de vocêzes perr aqui!! Disse em português e no mesmo sotaque setubalense do médico.
- Fala português? Indagou Inês cheia de curiosidade.
- Não me diga que aprendeu com médico do centro de saúde! Exclamou Carlos meio trocista.
- Quem!? O Costurrêro de Goze!? Ná, amigue!! Eu é que lh’ensinê tude!! Andê muntes anes à pesca do besugue da Póvoa do Varrzim. Bons tempes, amigue, bons tempes esses... Disse com alguma emoção. Tá viste aí p’lo sê pé que já o conheceu!!
- Ah, sim o doutor Scalpello... disse Carlos sem grande convicção e com alguma dor no pé. Então o senhor é que o pescador holandês que o médico me falou.
- Holandês, eu!? Nã amigue, ê cá sô belga, da Flandrres! Esse médique confunde tude. Tamém anda semp’ bêbade!
- Então é daí o sotaque. Gozou Carlos.
Quais sotaque? Mas ê fale com algum setaque!? Que’s verr este agorra veio p’rraqui p’a m’atentarr a mona!!
- Então e o filme de Hollywood não lhe rendeu nada? Perguntou Inês cheia de pena do marujo e desviando a convera.
- Nã filha! Aquile só serrviu prra darr dhnêrre a alguns. Apontava então para a cantina de Cobardolas. E a histórria c’os amarricanes contarrem da nha pessoa; é tude mentirra!! Ê cá nã come espinafrres de lata. É couve lombarrda!! Mentirroses!!
- Pronto deixe lá então. Acalmava Carlos o marinheiro. Então bom dia! Despediu-se.
- Adeuzinhe migas!! E se passarrem p’la Póvoa do Varrzim digam olá ó mê amigue Toni dos Besugues!!
- Fica prometido! Disse Inês já afastando-se e acenando ao marinheiro que agora entretinha uma família de turistas húngaros. 


O restaurante de Cobardolas encontrava-se cheio de turistas ingleses que viam ali naquele cantinho, um bocado de casa. Isto porque o famoso Cobardolas, era de origem inglesa, mais concretamente da cidade de Hull. No entanto, diziam as más linguas que Cobardolas, por causa do seu vicio no dito prato, que o fizera famoso, não fazia muito dinheiro com o negócio e tinha ordenados em atraso e pagamentos aos credores que já o ameaçavam com processos avultadíssimos em tribunal.
Inês e Carlos encontraram uma mesa vazia, mas ainda cheia dos restos de comida de uma imensa família de ingleses de Bradford. Quando digo imensa falo não no tamanho mas na quantidade. Além dos progenitores, eram mais quatro filhos e um casal de idosos que deveriam ser os avós. Viviam todos numa casa da câmara municipal, eram todos desempregados ou com actividades duvidosas, especialmente os mais novos, mas como é da praxe e graças à generosidade dos governos da coroa britânica em relação aos laxistas, recebiam um grande numero de benefícios, incluindo a renda da casa, a creche do mais pequeno ainda de colo, e até dizia-se as contas de telemóvel, mais os abonos dos quatro filhos. Como tal, ainda sobrava para umas viagens “low-cost” com tudo incluído num resort, mais as despesas no destino pagas pela reforma do casal de idosos reformados da defunta indústria têxtil do norte de Inglaterra.
Passado algum tempo lá foram servidos pela namorada do marinheiro, que se arrastava pelo recinto, com grandes olheiras, rugas a mais para suposta idade e com ar de grande enfado.

- Digam lá, fáxavor! Resmoneou a personagem.
- São dois “Super-Cobardolas” e duas latas de “Cola”. Pediu Carlos.
- É só!? Perguntou displicentemente,congelando um esgar de repulsa, pois estava habituada às grandes doses pedidas pelos turistas anglo-saxónicos, que por norma se gostam de empanturrar em comidas pouco menos que saudáveis e totalmente desaconselhadas pelos médicos, estes mais para evitar despesas de tratamentos cardiovasculares no serviço nacional de saúde, que por genuíno interesse pelo bem-estar dos cidadãos da velha Albion.

- É só, obrigado. Disse Inês com um leve sorriso.

A namorada do marujo lá se arrastou até à janela que dava para a cozinha e gritou a ordem de serviço.
Passados alguns minutos, sete e seis segundos, a senhora lá trouxe o pedido, indo o caminho todo a tossir para os hambúrgueres do casal que se entreolhava abismado. Devido à fome que traziam, os dois rapidamente deglutiram aquela mistela de pão, carne picada e alguns vegetais coberta com molho de tomate, maionese e pickles. 


Quando se levantaram, começaram a sentir a cabeça muito leve, a sentirem-se extremamente bem, eufóricos até, e resolveram sair para a rua dirigindo-se ao cais  onde o barco que os trouxera pela costa até Anchor Bay já os esperava. Mais uma vez foram abordados pelo brutamontes barbado, de voz rouca que lhes propôs a compra de substâncias ilegais. Carlos que depois da refeição tinha perdido o medo, empurrou o marujo de compleição bastante sólida, que por sua vez desferiu uma punhada no alto da cabeça do português tendo este ficado estendido no chão sem sentidos. Inês reagiu imediatamente pontapeando o galalau no meio das partes pudentes. Este, pegou na frágil figura pela cintura com uma mão apenas e atirou-a ao chão para cima do desmaiado namorado. Imediatamente, detrás de um poste de iluminação saiu um oficial da “Pulizija” que imediatamente algemou o par de namorados por desacato à ordem pública e por posse de substância ilegal, sub-repticiamente colocada no bolso de Carlos pelo sevandija agigantado.

©Alexandre Rodrigues 2013

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