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sábado, 17 de dezembro de 2016

Oligarcas do mundo, uni-vos!



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Levantai-vos das vossas douradas cadeiras,
De onde vossos rabos forrados de dólares estipulam,
Assentes no gume frio dos conselhos de administração,
As vidas dos vossos servos.
Erguei os vossos copos repletos de sangue
E bebei do lucro especulativo dos mercados.

Oligarcas do mundo, é chegada hora!
O ninho da águia foi reconquistado.
As infinitas estepes orientais subjugadas
E as grandes planícies ocidentais ludibriadas.
Lá, de onde as grandes guerras são paridas,
Desde o amplexo das vossas fábricas
Onde obuses jorram, pelejantes,
Fortalezas nos recursos extorquidos  
Às nações falhadas pela vossa corrupção.

Voltareis a esmagar a igualdade
Com o camartelo da vossa mentira.
Lutará irmão contra irmão
Desde a negra Sexta-feira  
Aos parlamentos da vossa mocidade.
E continuarão iludidos os que lutam pelas pátrias
Esvaziadas pelos nossos soldados.
Cidade a cidade, rua a rua, casa a casa.

Irmãos, semeastes a destruição das nações
Para que os vossos potentes buldózeres
Sejam pagos para as reconstruirem.
Os escravos, já não os transportamos.
Eles caminham sozinhos até vós!
Atravessando desertos,
Fugindo das guerras que lhes ofertastes
Em troca das riquezas naturais
Presenteados pelos fantoches corruptos
Sentados nos tronos tribais.

Fareis das nações vossas escravas.
Subireis muros e fronteiras carregadas de ódio
Já propagandeastes a conformidade
E o condicionamento social
Para que as ovelhas não desgarrem.
Semeastes o ódio e o extremismo,
Subvertestes os valores da justiça e da liberdade,
Germinastes o medo e raptastes as emoções.
O processo de estupidificação foi concluído.
É a hora de colherdes os frutos do vosso trabalho!

©Alexandre Alves-Rodrigues 2016




quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Pessoas





Pessoas que nunca deviam ter nascido
Pessoas que andam devagar
Pessoas novas que arrastam os pés
Pessoas que andam sempre a correr
Pessoas que dizem ‘fizestes’ e ‘chegastes’
Pessoas que sorvem a sopa ruidosamente
Pessoas que reviram os olhos quando falam
Pessoas que dizem ‘sôtor’
Pessoas que conduzem quase deitadas e com os braços esticados
Pessoas que conduzem demasiado depressa
Pessoas que conduzem demasiado devagar
Pessoas que param o carro de repente para falar ao amigo na rua
Pessoas que ouvem música aos berros no carro
Pessoas que ouvem música aos berros em casa
Pessoas que ouvem música aos berros na rua
Pessoas sem subtileza nenhuma
Pessoas demasiado subtis, ninguém os entende
Pessoas que mandam indiretas vagas nas redes sociais
Pessoas frustradas
Pessoas piegas
Pessoas melindrosas
Pessoas que se ofendem por tudo
Pessoas que se ofendem por nada
Pessoas que passam a vida a falar da vida dos outros
Pessoas que passam pela vida
Pessoas que se matam a trabalhar
Pessoas que matam os outros com trabalho
Pessoas que se acham finas
Pessoas que mascam pastilha elástica com a boca aberta
Pessoas que comem com a boca aberta
Pessoas más
Pessoas demasiado boas
Pessoas metediças
Pessoas que congelam a expressão
Pessoas que olham fixamente outras pessoas
Pessoas que atiram lixo para o chão
Pessoas que cospem para o chão
Pessoas demasiado submissas
Pessoas demasiado teimosas
Pessoas que abusam da sua posição
Pessoas que exploram outras pessoas
Pessoas religiosas
Pessoas que se acham donas da verdade
Pessoas que querem impingir coisas
Pessoas que querem impingir ideias
Pessoas que querem impingir ideais
Pessoas que matam por ideais
Pessoas que morrem por ideais
Pessoazinhas
Pessoas que fazem o mínimo possível
Pessoas que dizem que dão 200% no trabalho
Pessoas silenciosas
Pessoas faladoras
Pessoas que falam alto
Pessoas que usam a palavra ‘criatura’ para se referir a outra pessoa
Pessoas que são racistas, mas dizem ‘eu não sou racista, mas…’
Pessoas que palitam os dentes ruidosamente com a língua
Pessoas que usam palitos na boca
Pessoas que não sabem o que querem
Pessoas que vão a restaurantes falar mal da comida
Pessoas que humilham pessoas em público
Pessoas que humilham pessoas em privado
Pessoas supersticiosas
Pessoas homofóbicas
Pessoas xenófobas  
Pessoas que dizem ‘isto não dói nada’, mas dói.
Pessoas que escrevem noticias estúpidas
Pessoas que escrevem comentários estúpidos
Pessoas que escrevem comentários sem acrescentar nada de novo
Pessoas que apenas marcam presença
Pessoas que abusam de lugares-comuns
Pessoas que nunca deveriam morrer
Pessoas que nunca deveriam ter morrido
Pessoas que escrevem sobre pessoas que.

© 2016 Alexandre Alves-Rodrigues

sábado, 12 de novembro de 2016

Olha-me nos Olhos



Rain, particularly to a child, carries distinct smells and colours.
George Steiner




Gostaria tanto que tivesses entendido todas as palavras que te disse. Foi no tempo em que nos perdíamos a conversar naquelas tardes de Sábado; entre um Outono de esperança e uma Primavera de desilusão. As horas do mundo passavam lá fora. Sem darmos por isso, da janela do teu quarto, contemplava-se uma cidade. O céu de permeio como testemunha e risadinhas de anjos lá fora no terraço solarengo. As nuvens reflectidas nos teus olhos teimavam em olhar para o chão do meu rosto tão assimétrico, tão marcado, tão desengraçado. Escondias chuvas no teu olhar doce. Eu, provavelmente, escondia segredos nos meus. Se ao menos ali tivesse encontrado as chaves de tudo o que havia para dizer.... Teriam chovido os meus olhos e do teu rosto sairia a explicação das dores. A chuva, nas crianças, carrega cheiros e cores distintas. Éramos a antítese um do outro.

Pensar que nos sentámos tão juntos. Como dois aprendizes de pianista tocando uma valsa desajeitada a quatro mãos. Lado a lado. Os nossos joelhos e nossas mãos ocasionalmente…. Acabámos por nunca tocar música juntos. Resolvemos ser desafinados um do outro. E, no entanto, no peito dos desafinados também bate um coração…. Porquê essas nuvens, que se refletiam nos teus olhos, nunca quererem abrir a chave dos meus? Terei sido eu que nunca os elevei para te encarar? As veredas do tempo mancham as visões do passado. Mas lembro-me do que te diziam meus olhos em silêncio. E da curiosidade que me devastava em saber se…? O que pensavas de mim? O que pensas tu de mim? Um peripatético patético, um triste tristonho rendido à sua fealdade ou um obtuso obcecado? Soubesses apenas quantas vigílias transpus. Toda a minha existência se rendeu à tua formosura e tu mal deste por isso. Como foste capaz de acreditar no valor nominal do meu silêncio? Não era isso que meus olhos narravam. Como era perverso o calar dos meus lábios…. Distraia-te com encantamentos. Sonhava enfeitiçar-te. Era de vidro o meu riso. E, no entanto, nunca te deixaste seduzir…. Mas reconhecias-me a inteligência dos sábios. Quão equivocada estavas. O mais idiota dos idiotas, o mais pateta dos patetas; um orgulhoso platónico se apresentou diante ti. E nenhum de nós sabia o que fazer com isso.
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Numa era tão estranha e fascinante como esta que agora vivemos, podemo-nos encarar à distância nos reflexos de nós, imóveis. Poisamo-los por todo o lado no éter vago das fibras ópticas. Podemos tentar trespassar as nuvens do nosso olhar e contemplar o que anos silenciaram. Um de nós por vergonha, o outro por demasiada bondade. Mas o que uma fotografia pode transmitir senão um olhar num curto momento? E assim permanece para sempre imutável. Seria o mesmo que escutar uma palavra numa fracção de segundo. Provavelmente só ouviríamos um som órfão. Ou metade de um som. Como um som morredoiro na boca de um defunto. Nunca chegamos a ouvir a música completa.

O que mais almejo neste momento é pegar na tua mão. Apenas isso. Comtemplá-la na minha e imaginar como seria. Como seria tocar um piano a quatro mãos contigo, onde as mãos se entrecruzassem e entrelaçassem? Como seria a nossa valsa? Como seria se as nuvens dos nossos olhos, mesmo no silêncio, se derramassem? E uma chuva dissesse aos olhos um do outro aquilo que cada boca tem calado? Tudo isso permanecerá em silêncio. Porque hesito em acreditar que alguma vez as nossas mãos se encontrem ou nossos olhos capazes de chover. 


Le cœur a ses raisons que la raison ne connaît point.
Blaise Pascal

© 2016 Alexandre Alves-Rodrigues