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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Clichés de Paris



Imaginei que nos encontrávamos em Paris. Um suave rendez-vous.  Às vezes imagino coisas assim. Do nada. Descem sobre mim, devagar, como um Sol de Outono numa melancolia atapetada de folhas secas.  São sempre discretos, silenciosos. Como sonhos estranhos estão cobertos de névoa, pedaços em branco e sem fio condutor, mas cheios de sorrisos carinhosos.
Ir-te-ia buscar ao aeroporto de Gaulle conduzindo um daqueles fantásticos bocas-de-sapo descapotáveis, cheios de estilo. Os franceses chamam-lhe deusa. Deusa da estrada. Tal como tu, deslizando suavemente pelos frondosos boulevards da ville lumière. Como vês, penso nos pormenores, apesar de me julgares distraído. Por falar em pormenores, por mim trajaria um fato de três peças com uma boa gravata de seda vermelha e calçaria uns brogues castanhos. Tenho a certeza que aprovarias. Nos olhos uns Clubmaster americanos para não destoar com a época e o brilho negro do automóvel. Tudo isto porque quando te vejo tenho sempre receio que me aches malvestido ou piroso. Um foleiro sem graça. Indiferente. Complexo de inferioridade? perguntarás. Talvez. Mas acredita, bem no fundo de mim, por vezes, tenho alma de gentleman: sofisticado e sem vintém. Quanto a ti, não sei o que vestirias, porque como te disse, nos meus sonhos há pedaços em branco e muita névoa, mas tenho a certeza que chegarias elegante e cheia de charme. Sem peneiras e muita ternura, tal como me lembro de ti. Carregar-te-ia as malas e dar-te-ia o meu braço livre acompanhando-te até à saída. Já te disse que sou um gentleman?
                Conduzir-te-ia até ao Arc de Triomphe, através dos Champs Elysées se assim desejasses. Depois levar-te-ia a passear pelas margens do Sena. Faríamos um piquenique ali para os lados da Place du Vert Galant virados para a Pont des Arts. Nessa tarde iriamos visitar velhos amigos meus no Père Lachaise e faríamos à vinda uma paragem por Notre-Dame. Se acreditas no sobrenatural, poderias perfeitamente rezar por esses velhos amigos. Duvido que eles se importassem com isso. Mesmo que as pessoas digam que são imortais. Por esta altura pensarias: então e a Tour Eiffel? Nessa tua fantasia levar-me-ias lá? Quanto a isso minha querida, devo confessar-te que tenho vertigens e não quero que me vejas em figuras menos… dignas.
À noite iriamos comer num qualquer bistro chique. Poderíamos, por exemplo, ir a um ali por detrás do Marais, no 4e arrondissement. Tem um pátio lindíssimo e serve comida vegetariana, coisa rara em Paris. Ou então ao Pharmacie que tem um gravad lax de salmão de chorar por mais. Se preferires carne poderias comer pavé de cerf au sauce poivrade. Por mim, iríamos ao Aux Arts et Sciences Réunis. Só porque tem um excelente nome e iria bem com o nosso encontro, não concordas? Sabias que a palavra bistro tem origem russa? Voilà, um excelente começo de conversa. Também sei socializar, como vês. Prometo que seria boa companhia e até, depois de um copo ou dois de vin rouge, capaz de te fazer rir. 
Se gostares de cinema poderíamos ir ver um filme noir ou uma comédia francesa. Afinal, já deves estar a pensar, tudo isto não passará de uma palhaçada de mau gosto. No final da noite caminharíamos a pé pelas ruas desertas da cidade fingindo ouvir um acordeão distante a tocar uma velha chanson. Ignoraríamos as sirenes dos carros de polícia e os perigos que espreitam a cada esquina. Dançamos uma valsa junto a Monmatre? Excelente. Ensinar-te-ia os passos se quisesses. É a única dança que conheço, perdoa-me. Dir-te-ia je t’aime porque sou um incorrigível romântico. Dir-me-ias que não, sem mais explicação. Descerias apressadamente as escadas do Sacrè-Coeur, chorando e desaparecendo na névoa da noite. Eu iria afogar as mágoas no Cafè Absynthe. O nome já encerra em si uma estranha melancolia. De volta ao meu hôtel envolver-me-ia numa briga de bêbedos. Ou talvez não. Ser-me-ia indiferente.
No dia seguinte tomaria o comboio de volta a lado nenhum na Gare de Lyon. Talvez me espreitasses, escondida atrás de uma coluna, arrependida. Talvez corresses atrás do comboio para me dizer algo. Nem sei bem o quê. Sei que nunca seria Je t’aime aussi. Ou talvez nem estivesses lá de todo.
Uma coisa é certa. Nunca me encontrei contigo. Muito menos em Paris onde nunca estive.




© 2016 Alexandre Alves-Rodrigues

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