Numa era de incerteza económica como aquela em que vivemos atualmente, muitos, se não todos encaramos o nosso futuro com muita apreensão.
De uma coisa podemos ter a certeza, não iremos ter as perspetivas de carreira num emprego seguro, como até agora tem sido mais ou menos a norma e como o foi certamente para a geração dos nossos pais e avós . Teremos de aprender a ser com “free-lancers” do nosso trabalho e das nossas capacidades e teremos de arriscar mais do que até aqui. Isso implicará sairmos da nossa zona de conforto e irmos ‘a luta. Muitos de nós tiveram a sorte de poder aceder ao ensino superior. Cujas oportunidades num mercado de trabalho normal (eu sublinho, normal) serão teoricamente maiores do que para aqueles sem “canudo”.
A minha experiência de Reino Unido (onde os direitos adquiridos são menores do que por exemplo em Portugal) diz-me que em tempos de prosperidade económica a facilidade de sair de um trabalho que não se gosta para outro é muito grande. Para contrariar isto, as empresas tentam oferecer contrapartidas como treinamento, bónus, PPRs, etc. para manter os seus funcionários e evitar altos índices de rotatividade de trabalhadores, porque isso acarreta custos administrativos muito altos. Com isto mantém-se o desemprego em níveis baixos.
Diz-se ‘a boca pequena que os conselheiros especiais deste governo de coligação tem em média 28 anos de idade, onde o normal seria terem 28 anos de carreira. Os “civil servants” ingleses (aqueles que antigamente usavam chapéu de coco na City) são dos cargos públicos mais respeitados no Reino Unido (os titulares sobem por mérito na Função Pública até diretores-gerais) e muitos detém mais poder que os ministros, são muitas vezes quem lhes consegue dar a volta para aplicar medidas mais racionais do que a “boa vontade” política muitas vezes quer fazer. Na famosa série cómica “Sim Senhor Ministro” muito popular nos anos 80 e baseada muito certamente em alguns factos reais, quando o ministro vinha com ideias mirabolantes o diretor-geral respondia dizendo “isso é uma medida muito corajosa” (querendo dizer muito diplomaticamente, estúpida). O ministro que já conhecia este protocolo dos funcionários públicos, respondia “então qual é a sua opiniao?” E o diretor –geral então faria o ministro mudar de ideias com a ajuda do conselheiro especial. O que se passa hoje no governo de coligação é o seguinte “isso é uma medida muito corajosa sr ministro”. “Acha sr diretor-geral? Então aplique-se”.
No entanto, estes tempos de crise são diferentes de todas as outras crises anteriores. Neste momento temos um governo que apenas sabe que tem de cortar a divida. Mas não faz a mínima ideia de como, as tais ideias “corajosas”. Sem conselheiros especiais experientes e ministros estúpidos, apenas dispara que os diferentes sectores tem de cortar as verbas que recebem do governo para orçamentação. E espera sossegado que o pânico se instale, os sectores públicos cortem onde é necessário (mas completamente ‘as cegas) e depois espera que a poeira assente e aí sim envia as diretivas aos departamentos. Esta lógica “mercantilista” do Estado irá corroer a sociedade e retarda-la em cinquenta anos. Voltaremos de novo ‘a falta de oportunidades para os mais desfavorecidos que continuaram a ser cada vez mais desfavorecidos e as desigualdades a aumentar. No fim da reforma do ensino superior as famílias terão de endividar-se em cerca de £20,000 para colocar os seus filhos na Universidade. Se não vejamos, as propinas irão subir para um máximo de £9,000 (as universidades de topo já disseram que vão cobrar o máximo). As outras, terão de adivinhar um valor e torcer para que seja concorrencial com outras universidades similares. Um valor muito baixo e as contas ficarão no vermelho, um valor muito alto, e os estudantes fugirão para universidades mais “baratas”. A expectativa é a de que os valores ficarão pela casa das £7,500-£8,000/ano. Mas se a Universidade A oferecer o mesmo curso por menos £200/ano, que a Universidade B que apenas dista 10 KM de distancia, estão a ver o resultado. Depois vem o alojamento. Em Londres poderá ir até cerca das £160/semana. Em Manchester, p.ex andará pelas £60-70/semana. Optar por Manchester poupará um ano de propinas quando comparado com Londres. E se o aluno por mérito quiser continuar com um Mestrado? Mais £15,000-20,000/ano a acrescentar ‘a sua divida de £24-27,000 fora despesas de manutenção (alojamento, comida, etc.). Facilmente uma família ou um aluno ficará com uma divida de £50,000 antes de começar a trabalhar. E as famílias com dois ou três filhos a estudar no Ensino superior ao mesmo tempo? Incomportável. Voltamos aos tempos antigos onde as famílias terão de escolher apenas um dos filhos para ir estudar, enquanto que os outros terão de ir trabalhar, mesmo que sejam bons alunos. Eu ouvi da boca de um reitor dizer que reformas como esta que deveriam levar 10 a 15 anos a completar, estão a levar cinco a sete.
Para o Reino Unido a Educação Superior está como o Turismo para Portugal. É um sector extremamente importante e estratégico não só porque produz cientistas e profissionais acreditados no mundo inteiro, mas porque é visto como um dos melhores do mundo. A população estudantil estrangeira no reino Unido será de 50 a 60% do total, e isto representa bastante dinheiro para os cofres públicos e das Universidades, até porque os alunos fora da União Europeia já pagam o dobro em propinas do que os nacionais (EU incluida).
Em tempos onde o endividamento já está a ser um problema dentro e fora da União Europeia, é fácil adivinhar o resultado destas “corajosas” medidas.
Há um capítulo de "As Cidades Invisíveis", do Italo Calvino, que me veio à ideia, ao ler-te:
ResponderEliminar"A cidade e o céu. 4.
Chamados a ditar as normas para a fundação de Períncia o astrónomos decidiram o lugar e o dia de acordo com a posição das estrelas, traçaram as linhas cruzadas o decumano e do cardo orientadas uma pelo curso do sol e a outra pelo eixo em torno do qual giram os céus, dividiram o mapa segundo as doze casas do zodíaco de modo que cada templo e cada bairro recebesse a justa influência das devidas constelações, fixaram o ponto da muralha em que deviam abrir-se as portas prevendo que cada uma enquadrasse um eclipse da lua nos próximos mil anos. Períncia - garantiram - reflectiria a harmonia do firmamento; a razão da natureza e a graça dos deuses dariam forma aos destinos dos habitantes.
Seguindo com exactidão os cálculos dos astrónomos, foi edificada Períncia; gentes diversas vieram povoá-la; a primeira geração dos nascidos em Períncia começou a crescer entre os seus muros; e esses por sua vez chegaram à idade de casar e ter filhos.
Nas ruas e praças de Períncia hoje encontram-se aleijados, anões, corcundas, obesos, mulheres de barba... Mas o pior não se vê; elevam-se urros guturais das suas caves e celeiros, onde as famílias ocultam os filhos com três cabeças ou com seis pernas.
Os astrónomos de Períncia deparam-se com uma difícil opção: ou admitir que todos os seus cálculos estão errados e os seus números não conseguem descrever o céu, ou revelar que é precisamente a ordem dos deuses que se reflecte na cidade dos monstros."
E mais acrescento: daqui para a frente há monstros.
Paula Pinheiro