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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

As Oportunidades perdidas de Portugal – Ou como a classificação de Geert Hofstede se aplicam que nem uma luva ao nosso país.



 Portugal é um país que se tem caracterizado desde que restaurou a sua independência, ou talvez mesmo antes de a desbaratar, por ter perdido excelentes oportunidades de ser um país exemplar no que trata à distribuição de riqueza e bem-estar das suas populações. E porquê? Basicamente porque desde a morte do Infante D. Henrique (um príncipe meio inglês), que financiou do seu bolso as descobertas, o Estado nas suas mais diversas formas ao longo da história tem açambarcado a riqueza produzida pelos portugueses. O vício do monopolismo estatal português já vem de há muito tempo e está enraizado na cultura político-administrativa portuguesa; D. Manuel II foi o primeiro rei português a auto-intitular-se Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia, portanto o único detentor do investimento, exploração e lucros das descobertas. Um monopolista portanto.


Durante a União Ibérica de 1580, Portugal viu perder uma parte das suas possessões ultramarinas devido às constantes guerras que o Império Espanhol financiava e que acabaram por ditar a bancarrota do Império ainda sob o comando de Carlos I e posterior perda das Províncias Unidas da Flandres para a casa de Orange no final da guerra dos oitenta anos. É já em 1602 que a Holanda, agora livre do jugo católico espanhol, cria por concessão régia a VOC "Vereenigde Oost-Indische Compagnie" ou mais conhecida em Portugal por Companhia das Índias Orientais, uma das primeiras empresas capitalistas surgidas da revolta protestante, onde foram criadas as primeiras acções de igual valor, através da divisão do seu capital pelos investidores interessados (na sua maioria pequenos comerciantes e agricultores estabelecidos) e transaccionáveis pelos seus membros. O Estado holandês recolhia impostos dos lucros dessa ventura. A VOC tornou-se um Estado dentro do Império holandês e a sua primeira acção foi expulsar os portugueses (fragilizados pelo domino espanhol) de Amboino nas ilhas Molucas com o objectivo de controlar o comércio das especiarias do Indico. 


Ora quando Portugal finalmente tira partido do desmembramento do Império espanhol, em 1640, este tem de optar por deixar cair a Catalunha, também em rebelião através da Guerra dos Segadores ou Portugal. Opta por Portugal mas não sem luta. Este vê-se de novo independente mas tendo de lutar por manter ou mesmo reaver possessões do seu império, por exemplo o nordeste brasileiro, entretanto tomado pelos Holandeses da WIC (Companhia das Índias Ocidentais). É nesta altura que Portugal, poderia ter copiado o modelo holandês de exploração, manutenção e lucro das suas possessões ultramarinas, como mais tarde o fizeram os britânicos na refundação do seu império que se tornou o maior em extensão e riqueza até à data. Mas não, dois reis depois, já com as relações externas com Espanha e Holanda pacificadas, no reinado de D. Pedro II, este pede às cortes financiamento para restaurar os fortes e proteger os navios portugueses vindos do Brasil e da Índia. Mas os três estados, de “vistas curtas” recusaram ajudar a coroa quando poderiam aqui ter tirado partido da situação e terem tido um papel importantíssimo na privatização e consequente exploração do Império português, contribuindo no futuro para a sua melhor gestão, geração de riqueza e oportunidades para todos. Seguiu-se D. João V e foi o que foi… sem comentários. 


Um terramoto, uma invasão estrangeira e uma guerra civil depois...


Se a este já longo exemplo juntarmos a oportunidade perdida no século XIX aquando da industrialização (já tardia) do país, e do investimento providenciado pelos ascendentes das famosas famílias agora poderosas de todos nós conhecidas e interligadas entre si essencialmente por casamentos, mais a sua provinciana aversão ao risco (afinal o principal ingrediente do capitalismo) e as generosas concessões monopolistas do eternamente fragilizado Estado português, ficaram então criadas as condições para dar à luz o “capitalismo à portuguesa”; sem riscos, de tendência monopolista, dependente mas ao mesmo tempo cada vez mais credor do Estado. E reparem que nem a Republica que conseguiu a rara proeza de por a igreja católica de portuguesa de joelhos, nem o Estado Novo foram capazes de aproveitar a oportunidade de inverter a situação das coisas, ainda a tempo, e criar a oportunidade de democratizar o investimento privado. Salazar pelo contrário, concedeu às já de certo modo formadas famílias poderosas mais concessões monopolistas para explorar o comércio com as colónias e ao controlar burocraticamente a verdadeira industria capitalista que arrisca (as pequenas e médias empresas no fundo), manteve-as tecnologicamente estéreis em sectores marginais e relativamente pouco lucrativos. Por alguma razão a industria nativa automóvel nunca vingou em Portugal nesta época, antes esbarrou com a máquina burocrática do Estado Novo, não obstante variadas e louváveis tentativas (Alba, Lusito, IPA, etc.) de dinamizar o sector. O Secretário de Estado da Industria de 1956, provavelmente já de “luvas” calçadas preferiu restringir as importações e convidar empresas estrangeiras a montar veículos no país, antes de a própria industria automóvel nativa ter hipóteses de florescer e amadurecer. 


Um golpe de Estado e algumas nacionalizações depois…


Para que o verdadeiro “capitalismo português” que conhecemos hoje na sua mais aguda forma se desenvolvesse, bastaram nas últimas duas décadas de democracia, algumas reprivatizações, bem-vindas se o processo tivesse sido transparente (banca, seguros e transportes terrestres), alguns políticos moles, para não lhes chamar corruptos, e muita apatia para não lhe chamar ignorância, por parte de uma população avessa à educação e à informação mas muito amiga do “chico-espertismo” e de “se safar a si mesma” para que, mais uma vez a oportunidade de se criar um país gerador da sua própria riqueza, provedor do bem-estar das suas populações e incentivador da poupança se tivesse perdido. Se a isto juntarmos a irresponsabilidade e desfaçatez com que se geriram as quantidades astronómicas de dinheiro que os contribuintes de outros países da Europa comunitária enviaram para Portugal através dos inumeráveis subsídios a fundo perdido para infra-estruturas (antes deficitárias, agora enojantes) que foram copiosamente embolsados por empresas de construção sem escrúpulos primeiro e pelas parcerias público-privadas (PPPs) depois.


E chegamos aos dias de hoje. A relutância com que o governo actual tem em renegociar as rendas absurdas criadas por gestão danosa dos governos anteriores, tem muito a ver com o poder monstruoso que foi dado a estas empresas no passado século, e como estas recrutam ex-governantes para negociar as ditas rendas. Daí que o governo tente “espremer” ao máximo os contribuintes e as pequenas e médias empresas (porque dispersas e desunidas) com velhos e novos impostos para, ou não ter de renegociar ou renegociar com pouco impacto (paras as grandes empresas) as rendas que dariam para cobrir a avultada divida que o país contraiu. Os portugueses não podem aceitar o argumento de que estas empresas criam riqueza nacional. Em mais de cem anos de industrialização e “capitalismo à portuguesa” já se provou que não gera riqueza, antes tem atirado o país para a miséria, endividando-o. E se nada for feito para contrariar esta situação o país estará deficitário por mais trinta anos. E estas grandes empresas nem são empresas inovadoras que procurem novas metodologias, novos métodos de produção, antes escudam-se em modelos ultrapassados como o taylorismo que infelizmente ainda é copiado por algumas PMEs, usando processos de gestão antiquados ou desfasados da realidade actual. Usam uma capa tecnológica (geralmente importada) para parecerem modernas, mas o seu interior é velho e encardido.


E desenganem-se aqueles que acham que esta crise é uma oportunidade para refundar o Estado. Seria, se não tivéssemos tantos antecedentes a mostrar o contrário. Portugal é como aqueles criminosos inveterados que quando saem da cadeia prometem que desta se vão redimir, mas assim que apanham nova oportunidade tornam à actividade criminosa. Enquanto não for eliminada esta cultura de interdependência Estado-privados, então o Estado português continuará a alimentar uma clique e continuará a ser ele próprio um monstro sugador da riqueza nacional. Comprova-se assim a classificação que o pesquisador holandês Geert Hofstede faz de Portugal e já discutido aqui. Os portugueses são avessos ao risco, por defeito de muitas gerações e não será apenas em cinco anos ou numa década que se mudam hábitos muito enraizados como o de querer depender do Estado para tudo, que resolva todos os problemas de todas as pessoas, empresários incluídos. Isto gera uma cultura de irresponsabilidade individual que não é higiénica nem aconselhável a quem queira investir seriamente no país. 


Como qualquer separação esta não será menos dolorosa. É preciso pois inteligência, perspicácia e muita paciência (não será com uma revolução ou o poder na rua que se resolve este cancro) para dar estimulo e oportunidade a quem tem mérito e queira investir e realmente arriscar numa economia verdadeiramente livre no país, para criar riqueza e bem-estar, tenha noções básicas de responsabilidade social e ética empresarial. O Estado por seu turno apenas terá de dar em troca desburocratização (inimiga da corrupção), transparência e igualdade de oportunidades. O país agradece.

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